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Habitação Social nas Áreas Centrais

Erica DIOGO

07 / 2004

A implementação de programas habitacionais nas áreas centrais contribui para democratizar o acesso à cidade, otimizando o uso de infra-estrutura e serviços públicos já instalados.

Os processos de ocupação e crescimento urbano geram em diversos municípios o esvaziamento e a decadência das áreas centrais, caracterizados principalmente pela diminuição do número de moradores, existência de muitos imóveis vazios e subutilizados, degradação do patrimônio histórico, precariedade habitacional em cortiços, concentração de atividades informais, mudança no perfil socioeconômico dos moradores, dos usuários e das atividades locais, além de transferência de setores públicos e privados para outras localidades.

Em muitos casos, este esvaziamento ocorre inserido em um processo de crescimento urbano que estende a mancha urbana em direção às periferias - para o assentamento da população de baixa renda - e em direção a novas áreas de expansão imobiliária para assentar os setores de atividades relacionadas à classe alta. Essa situação resulta na subutilização dos recursos disponíveis nas áreas centrais, como infra-estrutura, sistema de transportes e estoque imobiliário ; no adensamento populacional de baixa renda em áreas não servidas de infra-estrutura e distantes dos locais de trabalho e na concentração de atividades econômicas em áreas de especulação imobiliária. Ou seja, é uma forma de crescimento urbano que se caracteriza pela separação das diferentes classes sociais no município e pela má utilização dos recursos públicos na medida em que, além de não utilizar o que já existe, exige a ampliação de infra-estrutura e serviços públicos para áreas antes não ocupadas. Por outro lado, na medida em que os imóveis se desvalorizam, aumenta a possibilidade de a população de baixa renda morar nessas áreas, principalmente alugando cortiços. Apesar das condições precárias deste tipo de moradia, essas pessoas reduzem seus gastos com transportes e podem utilizar serviços e equipamentos públicos com mais facilidade.

O QUE TEM SIDO FEITO ?

Desde a década de 1970, houve inúmeras experiências de intervenção nos centros urbanos, e se difundiram intensamente, constituindo-se num roteiro de orientações para as ações do governo e da iniciativa privada. Um dos efeitos dessas ações, porém, tem sido a expulsão da população pobre dessas áreas na medida em que as novas intervenções urbanísticas públicas e privadas promovem a revalorização imobiliária. Uma alternativa para orientar a intervenção do poder público nas áreas centrais sem expulsar a população moradora é implementar programas habitacionais que garantam as diversidades social e funcional nessas áreas. Ao promover a habitação social nas áreas centrais, que são as áreas melhor atendidas da cidade, a prefeitura favorece a melhoria da qualidade de vida da população e democratiza o acesso à cidade.

Mas para que isso ocorra, é importante definir uma atuação ampla que não se restrinja a projetos isolados e intervenções pontuais. A intervenção regulatória do poder público para a promoção da habitação social nas áreas centrais é fundamental, pois uma possibilidade sempre presente é que, na medida em que as ações de recuperação das áreas começam a ser implementadas, aumenta a disputa pelos imóveis por parte do mercado imobiliário, tornando-os indisponíveis para a habitação de interesse social.

COMO FAZER ?

A formulação e a implementação de um programa habitacional para as áreas centrais envolve uma série de aspectos que devem ser levados em conta pela administração municipal. Em primeiro lugar, é importante esclarecer que por área central se entende áreas que são mais abrangentes que o núcleo histórico das cidades. Nas grandes cidades, as áreas centrais correspondem às áreas de ocupação mais antiga, englobando, além do centro histórico, também os bairros vizinhos, que apresentam características semelhantes. Algumas cidades não chegam a apresentar uma situação de esvaziamento populacional das áreas centrais, mas apresentam um conjunto de áreas ou edificações não utilizadas ou subutilizadas completamente inseridas em áreas urbanizadas e que também podem ser caracterizadas como áreas centrais e integrar uma proposta semelhante.

Em segundo lugar, é preciso conhecer a população que mora na região, favorecendo a constituição de espaços nos quais se possa explicitar os conflitos existentes entre os diversos atores envolvidos com a questão, para se chegar ao desenho do que seja o interesse coletivo. A identificação e a valorização dos vínculos que a população mantém com o bairro são fatores fundamentais para aumentar a coesão social e garantir a diversidade social. Para isso é necessário criar estruturas de organização e participação que envolvam, ao longo de todo o processo, essa população, os novos moradores que serão atendidos pelo programa e os movimentos sociais organizados. É importante também garantir a permanência dos pequenos negócios que, em geral, oferecem grande número de empregos. A gestão deve ser descentralizada, se possível com uma ação próxima das áreas de intervenção, permitindo o contato e o acompanhamento entre os técnicos (equipe interdisciplinar), a administração municipal (articulando as diversas ações), a população e os setores envolvidos ao longo de todo o trabalho. A criação de um conselho favorece a participação e a gestão democrática ao longo do processo de elaboração e na implementação do programa (veja DICAS Nº 137).

FORMAS DE INTERVENÇÃO

A principal forma de intervenção é a reforma dos edifícios para fins de habitação social, uma vez que existe nas áreas centrais um conjunto de edifícios (residenciais, industriais, de escritórios, comerciais, depósitos) que se encontram vazios ou subutilizados, em condições precárias ou abandonados. As intervenções devem levar em conta os aspectos locais sem perder de vista o papel da região para o funcionamento do conjunto da cidade. Os projetos de intervenção envolvem, além da reforma e reciclagem de edifícios (patrimônio banal), a melhoria das habitações precárias (principalmente cortiços), a recuperação de edifícios de valor histórico, a construção de novas moradias, combinados com ações de melhoria do ambiente urbano.

Na França, por exemplo, existem as Operações Programadas para a Melhoria do Habitat - OPAH - que concentram as diversas formas de intervenção num determinado perímetro urbano. Ou seja, algumas quadras são definidas como prioritárias para intervenção e são tratadas de maneira integrada. Nessas áreas os esforços concentram-se na utilização do patrimônio existente e não na demolição para posterior construção nova. Já em Portugal existem as intervenções mínimas que consistem na tentativa de aproveitamento máximo das estruturas existentes para reduzir os custos e tornar os investimentos compatíveis com faixa de renda da população moradora.

As ações devem considerar as diferenças entre o patrimônio histórico e o patrimônio banal. Nas áreas centrais, que em muitos casos englobam os centros históricos das cidades, existem edifícios que têm relevante valor histórico, sendo muitas vezes tombados pelos órgãos responsáveis, e existem edifícios que têm importância apenas como parte do conjunto urbano, constituindo-se no chamado patrimônio banal. Em muitas cidades, o patrimônio banal corresponde à maioria das edificações existentes nas áreas centrais. E são estes os imóveis que se encontram vazios, subutilizados e degradados, com reduzido valor de venda, sendo dessa forma o objeto das reformas e reciclagens para a habitação social. É importante destacar que a reforma de edifícios para a adequação a novos usos ainda é uma prática incipiente no Brasil, sendo necessários o desenvolvimento de técnicas, produtos e a formação de mão de obra adequados às suas características, podendo resultar no impulso às atividades deste segmento no setor da construção civil.

FINANCIAMENTO

A viabilização de qualquer política habitacional depende da existência de linhas de financiamento adequadas à capacidade das famílias. O Programa de Arrendamento Residencial - PAR - da Caixa Econômica Federal é atualmente a única linha de financiamento habitacional de abrangência nacional voltada para as condições das áreas centrais. É importante destacar que, apesar da importância dessa linha de financiamento, existem parcelas da população que não têm renda suficiente para atingir os limites estabelecidos pelo programa, sendo necessários subsídios e programas que atendam as famílias sem renda ou com renda inferior a três salários mínimos. Uma alternativa para o atendimento dessa demanda é a implementação de um programa de aluguel social. A responsabilidade pela provisão habitacional é de todos os níveis do governo. Cabe ao município pressionar os outros níveis de governo para aplicar os recursos disponíveis, criar novas linhas de financiamento e definir uma política nacional de habitação que torne possível uma combinação dos recursos do orçamento municipal com o estadual e o federal.

LEGISLAÇÃO URBANÍSTICA

A legislação urbanística deve ser trabalhada em dois aspectos : a necessidade de adequação dos padrões e das normas de construção (código de obras e edificações) para a reforma e reciclagem dos edifícios para produção de habitação social ; e o segundo aspecto refere-se à utilização de instrumentos urbanísticos que interfiram no controle sobre o uso do solo fazendo cumprir a função social da propriedade. Também é importante criar um sistema integrado de aprovação dos projetos que garanta a operação conjunta dos diversos órgãos envolvidos, permitindo maior agilidade na implementação da política. A recente aprovação do Estatuto da Cidade (veja DICAS Nº 181) permite que um conjunto de instrumentos urbanísticos seja utilizado pelos municípios para garantir o cumprimento da função social da propriedade. Nesse sentido, destaca-se o direito de preempção, ou seja, o direito de preferência do poder público para a aquisição de uma propriedade, e o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios como instrumentos muito importantes para pressionar os proprietários a destinar usos para os imóveis ociosos. A aplicação do IPTU progressivo no tempo é uma das formas de pressão associadas a esses instrumentos. Porém, para utilizá-los é preciso definir no Plano Diretor quais áreas estarão sujeitas à sua aplicação.

RESULTADOS

Os principais resultados da implementação de um programa habitacional nas áreas centrais são :

  • Ampliação do acesso da população à cidade, ou seja a garantia de que uma parcela cada vez maior da população poderá usufruir as áreas melhores equipadas e estruturadas ;

  • Promoção da gestão democrática da cidade por meio da participação da população na formulação e implementação da política urbana ;

  • Fortalecimento dos vínculos da população com os bairros onde moram ;

  • Otimização do uso da infra-estrutura urbana já disponível ;

  • Ampliação da oferta de moradia com a redução dos investimentos públicos ;

  • Melhoria das áreas centrais, contribuindo para reverter os processos de esvaziamento e decadência ;

  • Impulso ao desenvolvimento tecnológico e a formação profissional para a reforma e adequação de edifícios para novos usos. Essa proposta se apresenta como uma alternativa para combater a segregação territorial e social tão comum em nossas cidades e que condena a moradia da população de baixa renda apenas às áreas periféricas, distantes e sem infra-estrutura ou equipamentos públicos.

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