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Projeto de Intercâmbio ‘OMC e fluxos de alimentos Brasil-Europa’

Luc Vankrunkelsven

07 / 2005

Agricultores flamengos e brasileiros querem participar das decisões.

Introdução

De fevereiro 2004 até junho 2005 ocorreu o projeto de intercâmbio apoiado pelo governo flamengo entre agricultores flamengos e brasileiros: entre Wervel* e Fetraf**.

Objetivos do projeto:

  • Adquirir uma visão dos processos comerciais internacionais em torno de alimentos; também uma visão sobre as conseqüências no plano ecológico e social para os agricultores, tanto no Norte quanto no Sul;

  • Promover a solidariedade internacional entre os agricultores;

  • Trabalhar a produção de culturas ricas em proteínas e o processamento local das mesmas;

  • Desenvolver estratégias para influenciar as políticas em torno destes temas.

I. Por uma nova política agrícola em ambos os lados do Atlântico

I.A. Por uma política agrícola comum (PAC) legítima, sustentável e solidária da União Européia

O fracasso das negociações da OMC em Cancún (México), em setembro de 2003, evidenciou o impasse a que chegou a União Européia apesar de sua tentativa de reforma de sua política agrícola, em junho de 2003.

A UE transformou os subsídios à exportação e similares em apoio direto à renda, para a exportação. As atuais regras da OMC permitem isso. Assim os produtos agrícolas básicos da UE e dos EUA continuam sendo exportados por um preço muito baixo, freqüentemente inferior ao custo de produção.

Subsídios. Sim, mas…

O apoio governamental à agricultura pode, perfeitamente, ser legítimo (entre outros, para tornar possível o indispensável controle da oferta), principalmente para tornar possível a agricultura familiar sustentável em todas as regiões. Isto mediante a condição de que este apoio não se destine para exportação a preços baixos.

Não se pode construir uma economia sólida com produtos que são vendidos no mercado global por um preço inferior ao custo e, tampouco, com produtos que são comprados do produtor por um preço abaixo do custo. As atuais regras de comércio internacional na OMC e da PAC da UE, na verdade, favorecem a agroindústria e os atacadistas.

1962: desequilíbrio dos ciclos.

O exemplo mais emblemático que já repercute desde 1962 (a rodada Dillon do GATT [Acordo Geral de Tarifas e Comércio], atualmente OMC), é o das matérias-primas para ração animal, que podem ser importadas de maneira ilimitada sem taxas alfandegárias. A importação massiva de matérias-primas para ração animal é a primeira causa da exportação européia de produtos de origem animal (e de grãos). A UE não tem nenhuma ‘vocação exportadora’ para estes produtos.

No Brasil, a exportação de soja representa perda de nutrientes; em Flandres, o problema é o excesso de produção de esterco.

I.B. Soberania alimentar, apoiada na agricultura familiar, a serviço do povo brasileiro

O Brasil é caracterizado por uma extrema desigualdade na distribuição de terras, o que é a base de uma série de problemas nas metrópoles e na zona rural. A concentração histórica da terra aumentou ainda mais nos últimos 30 anos devido à (assim chamada) ‘modernização’ e à ‘agricultura capitalista baseada em soja/milho’.

O grande legado dessa Revolução Verde no Brasil é a monocultura da soja. O rolo compressor da soja começou no estado mais ao sul do Brasil – Rio Grande do Sul – e deslocou-se numa velocidade espantosa em direção à Floresta Amazônica.

Deserto de soja

Na década de 90, em média, 18 mil km2 de floresta amazônica (principalmente nos estados de Rondônia, Mato Grosso e Pará) foram desmatados anualmente – em parte para extração de madeira, criação de gado e plantio de soja, e em parte para extração de bauxita (produção de alumínio) ou outras matérias-primas.

No Brasil, a Agricultura Familiar também participa na herança da Revolução Verde. Porém, a monocultura de soja nos latifúndios é uma história totalmente diferente do cultivo de soja no plano de rotação de culturas da maior parte dos agricultores da Agricultura Familiar. Portanto, é interessante ver como a Fetraf trabalha, de maneira criativa, nestas circunstâncias. Foi iniciada uma discussão acerca de critérios para soja sustentável, buscam-se caminhos para que os próprios agricultores industrializem a produção visando produtos para consumo humano e animal.

Os dois lados da agricultura

O Brasil é o país onde está sendo travada a batalha mais dura da guerra mundial entre dois modelos de agricultura.

O atual governo reflete perfeitamente esta guerra. O presidente Lula tem, na verdade, dois ministros da agricultura:

  • o ministro da Agricultura, Roberto Rodriguez, ministro da agricultura de exportação;

  • o ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rosetto, ministro da agricultura familiar e de reforma agrária.

Pode parecer bonito, mas no cotidiano político reina uma enorme desigualdade de poder.

Soberania alimentar

Desde a Cimeira da FAO em Roma, em 1996, o movimento rural internacional Via Campesina lançou o conceito da ‘soberania alimentar’: ‘Cada nação tem o direito de organizar a sua própria agricultura e abastecimento alimentar e de geri-los’.

A Agricultura Familiar pode, perfeitamente, cuidar da soberania alimentar do povo brasileiro, desde que seja dada aos agricultores a oportunidade político-econômica. A ‘verdadeira soja’ da Agricultura Familiar pode ser integrada ao programa mais importante do presidente Lula, o programa conhecido por ‘Fome Zero’. Tal redirecionamento do programa pode ajudar a eliminar a vergonha de que, atualmente no nível mundial, 65% dos produtos derivados de soja se destinem à alimentação animal.

Consenso de Washington

Neste acordo se exige dos países a abertura comercial e o incentivo às exportações. O Brasil, um país que tem uma dívida externa muito grande, é então obrigado a exportar para conseguir os dólares que necessita para cumprir o pagamento da dívida. Como os principais produtos que o Brasil pode ofertar ao mercado externo são os oriundos da agricultura ou extrativos, há um consenso em relação à política econômica do governo em relação ao incentivo às exportações agrícolas, dentre eles destacando o complexo - soja, que é o principal produto da pauta de exportação do Brasil.

Outro aspecto importante neste processo é o das privatizações que o governo brasileiro vem realizando desde o início da década de 1990

Mercosul: integração de mercadorias, não de pessoas

Os agricultores familiares do Brasil, desde 1991, vêm sofrendo os efeitos da abertura indiscriminada a outros mercados. Por um lado, o Brasil reduziu suas tarifas de importação até então vigentes, sendo zeradas as de alguns produtos, como leite, trigo e algodão. Por outro lado, há aumento do valor da moeda nacional, o que barateava as importações de alimentos.

Verifica-se que há uma integração das economias desses países com uma dinâmica de importações de produtos primários por parte do Brasil, especialmente da Argentina e do Uruguai, e de exportação de produtos industriais ou agroindustriais (frango, suíno) para outros destinos. Isso parece demonstrar que a agricultura foi sacrificada para que outros setores da economia pudessem obter vantagens com a integração.

Atualmente o processo de integração econômica no Mercosul continua com seu projeto de aderir a uma futura zona de livre comércio com a União Européia. Isso ocorre principalmente para atender aos interesses da burguesia agrária, especialmente a produtora de grãos (soja e milho, principalmente), de carnes (bovina, de ave e de suínos), de suco de laranja, de açúcar e de combustível (etanol, derivado da cana-de-açúcar), no Brasil – além das carnes, de leite e de grãos, no caso da Argentina – países que juntos querem conquistar o mercado europeu.

II. Propostas para construção de um novo modelo agrícola sustentável e solidário

II.A. União Européia

Nós propomos cinco pilares essenciais para uma nova política agrícola na UE:

1. Uma primeira idéia básica é que os alimentos devem ser produzidos o mais próximo possível dos consumidores.

  • Promover mercados regionais e processamento local dos produtos.

  • Normas técnicas e sanitárias específicas devem possibilitar a continuidade da produção artesanal e do processamento nas propriedades familiares.

  • Em função das necessidades, é óbvio que a comercialização de alimentos entre países e regiões é necessária. Mas isto deve ser limitado àquilo que é estritamente necessário… A produção de alimentos é tão complexa, tão estreitamente ligada aos processos naturais que não pode estar sujeita à lógica do mercado.

2. Uma segunda idéia básica é um preço justo para os produtos cultivados pelos agricultores familiares.

Para tornar isto possível na prática, devem ser fixados preços mínimos, preferencialmente, pelo governo.

Se o nível de preços no mercado global levar a isso, pode ser necessário um apoio direto à produção, vinculado a limites de produção – por exemplo – para laticínios, beterrabas açucareiras, etc (ver 3). Os limites de produção devem ser fixados de tal maneira que evitem exportações para o mercado globalizado (ver 5).

O apoio direto à produção pode ser variável de acordo com a região da EU.

3. Um preço mínimo garantido inclui, porém, o risco de que os agricultores produzam cada vez mais. Basta lembrar dos excedentes nas décadas de 70 e 80. Isto nos leva à terceira idéia básica: controle da produção. Controle da produção significa, por um lado, que não haverá excedentes estruturais. Por outro lado, controle da produção significa que a escassez será a menor possível.

Para isto é importante, obviamente, evitar que nossos mercados sejam inundados com produtos estrangeiros. Para isso, o governo deve poder (re)introduzir taxas sobre a importação. Afinal, partimos da premissa de que importar alimentos é um direito, não uma obrigação.

4. Revitalização da área rural.

Para barrar a concentração de terra nas mãos de empresas agrícolas cada vez maiores, os países-membros da UE devem adotar medidas para arrendar terras prioritariamente para pequenas empresas e agricultores familiares que se candidatarem às mesmas. Também devem ser estimuladas diferentes formas de cooperação.

5. Comércio internacional sem dumping

As diferentes regiões do planeta têm produtos regionais para comercializar. Temos necessidade, portanto, de regras justas para este intercâmbio. Comércio internacional estimulado por subsídios é rejeitado. Deve-se evitar o comércio pelo comércio. Auxílio humanitário em situações emergenciais deve ser incondicional. Prioritariamente, o apoio deve ser para recuperação da capacidade de produção dos agricultores do país atingido; a doação de alimentos deve ser complementar.

II.B Brasil – Mercosul

Propomos que as negociações internacionais promovam:

1. Garantia do desenvolvimento local com o fortalecimento da Agricultura Familiar.

  • Agricultores como protagonistas do desenvolvimento, garantindo a: inclusão social, técnica e política.

  • Incentivar as experiências de produção, processamento e comercialização de produtos preferencialmente de forma associativas, priorizando o abastecimento dos mercados locais.

  • Incentivo à valorização de produtos de marcas regionais e da agricultura familiar.

2. Garantia de renda da Agricultura Familiar.

  • Estabelecer instrumentos de garantia de renda para a agricultura familiar.

  • Compras institucionais devem ser realizadas diretamente das organizações de agricultores familiares.

  • Evitar as práticas de ‘dumping’;

  • Nas negociações internacionais, vincular a classificação special products aos produtos agrícolas.

3. Equilíbrio Ambiental e Social

  • Estimular a diversificação da produção, evitando-se a monocultura a exemplo da soja.

  • Incentivo à preservação das matas ciliares.

  • Incentivo à produção orgânica/agroecológica e não a produção transgênica.

  • Financiamento agrícola incentivando a preservação da biodiversidade.

4. Construção da soberania alimentar

  • Incentivo ao consumo de subprodutos vegetais locais (exemplo: soja) a partir dos programas sociais de alimentos.

  • Incentivo à produção de alimentos nos mercados locais, protegendo-se setores de produtos estratégicos no abastecimento interno.

  • Na medida em que diminui a demanda européia de soja, a agricultura Brasileira deve se diversificar e substituir a produção de soja para exportação por outros produtos e, ao mesmo tempo, estimular o consumo interno de soja.

5. Negociações Internacionais

  • Articulação entre os países do Mercosul para defender interesses, antes de ir para fóruns de negociação comerciais.

  • Facilitação do diálogo entre a estrutura de negociação do Mercosul e as organizações da agricultura familiar.

  • Buscar a articulação entre as organizações representativas da “agricultura familiar” nos países-membros.

II.C. Considerações gerais

Ao lado das propostas específicas de políticas para a União Européia e para o Brasil – Mercosul, achamos que também deve ser criado um espaço para questões mais fundamentais envolvendo nossos hábitos de consumo

  • Nós reivindicamos a restauração dos ciclos regionais. Produção própria de proteínas de origem vegetal faz parte do eixo das soluções.

  • Nós reivindicamos também a realização de campanhas de conscientização sobre consumo de carne e uma alimentação mais equilibrada.

  • Em algumas regiões do planeta, geralmente as mais ricas, uma pessoa consome – em média – mais do que o dobro de proteínas necessárias para uma boa saúde. Ao consumirmos carne, precisamos estar conscientes da capacidade produtiva do ambiente. Por outro lado, não podemos esquecer que a criação de animais é um elo imprescindível em diversos sistemas de ciclos produtivos.

  • Consumo (excessivo) de carne não é só uma questão de saúde e de ocupação de terras, mas também de disponibilidade de água e de aquecimento do planeta.

II.D. Adequação das regras da OMC

Nós propomos quatro medidas:

1. Revogação da regra em vigor desde Marrakesh, de que cada país signatário deve conceder livre acesso à importação de 5% de seu consumo interno.

Vincular a classificação ‘special products’ – que surgiu durante a discussão do acordo-quadro da OMC no final de julho de 2004 – com a dispensa da regra dos 5% poderia ser uma solução parcial, em especial para os países mais pobres. Afinal, neste caso, os países mais pobres – que não podem proteger sua produção agrícola com subsídios – pelo menos poderiam protegê-los de importações desestabilizadoras do mercado.

2. Adequação das tarifas de exportação e importação, visando estimular o desenvolvimento dos processos de agroindustrialização local gerando emprego e renda.

Em geral, as taxas sobre alimentos e produtos alimentícios variam entre altas a muito altas, freqüentemente muito mais altas do que sobre produtos industrializados. Além disso, constata-se que sobre produtos semi-acabados e produtos finais derivados de culturas alimentícias, em geral, incidem impostos maiores na exportação do que sobre as próprias matérias-primas agrícolas.

Com base nisso, os países em desenvolvimento são inibidos no processamento de suas próprias matérias-primas, ou seja, de agregar-lhes valor.

Por outro lado, a UE deve renegociar a tarifa zero sobre matérias-primas para ração animal.

A decisão sobre aumento ou redução das tarifas deve ser tomada para cada produto.

3. Revogação de todas as medidas, que limitam os países em desenvolvimento processar eles mesmos, as suas matérias-primas, dando lhes a possibilidade de absorção da mão de obra rural – que se tornou ‘dispensável’ em conseqüência de, entre outros, mecanização e aumento da escala na atividade agrícola. As agroindústrias familiares podem gerar renda, emprego e distribuição de riqueza no campo.

4. Não firmar acordos bilaterais que prejudicam a agricultura familiar.

Por fim:

Uma tradução deste texto em neerlandês e inglês está sendo divulgada por Wervel e Fetraf.

Uma versão mais detalhada deste texto (cerca de 16 páginas) está sendo divulgada por Fetraf e Wervel (em neerlandês, inglês e português). Em ambos os lados do oceano.

websites :

* Wervel www.wervel.be

** Fetraf-Sul/CUT: Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar dos Três Estados do Sul. (www.fetrafsul.org.br).

Mots-clés

souveraineté alimentaire, coopération Nord Sud, dégradation de l’environnement, impact sur l'environnement, influence du marché sur l’agriculture, OMC


, Europe, Brésil

dossier

Navios que se cruzam na calada da noite: soja sobre o oceano

Notes

Esse texto foi tirado do livro « Navios que se cruzam na calada da noite : soja sobre o oceano » de Luc Vankrunkelsven. Editado pela editora Grafica Popular - CEFURIA en 2006.

Source

Livre

Fetraf (Fédération des travailleurs de l’agriculture familiale) - Rua das Acácias, 318-D, Chapecó, SC, BRASIL 89814-230 - Telefone: 49-3329-3340/3329-8987 - Fax: 49-3329-3340 - Brésil - www.fetrafsul.org.br - fetrafsul (@) fetrafsul.org.br

Wervel (Werkgroep voor een rechtvaardige en verantwoorde landbouw [Groupe de travail pour une agriculture juste et durable]) - Vooruitgangstraat 333/9a - 1030 Brussel, BELGIQUE - Tel: 02-203.60.29 - Belgique - www.wervel.be - info (@) wervel.be

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