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Família do agricultor Leonildo Schmitz: conservação de variedades locais e produção para o autoconsumo

Clístenes Antônio Guadagnin

07 / 2010

O depoimento do agricultor Leonildo Schmitz, realizado em Dezembro de 2008, apresenta o modo de produção desenvolvido por sua família na unidade de produção familiar em que vivem. A partir do relato histórico ficam evidentes os valores culturais e econômicos mantidos pelo grupo familiar que é característico do modo de produção tipicamente desenvolvido em unidades de produção familiares na região do extremo oeste catarinense. O agricultor é incentivado a manifestar as razões pelas quais conserva uma diversidade de variedades locais e um conjunto de costumes e tradições relacionadas ao seu cultivo e utilização desenvolvidos, em grande parte intuitivamente, considerando os princípios da Agroecologia. As ações dessa família de agricultores experimentadores são iniciativas de desenvolvimento local sustentável que contribuíram para a realização do Kit Diversidade nas Associações de Desenvolvimento de Microbacias (ADMs) de Guaraciaba – SC.

Histórico da Família e características da unidade de produção familiar

O agricultor Leonildo Schmitz, com 51 anos, é casado com Luzia Knob Schmitz, 51 anos. Seus filhos são Jocele, 19 e Gelson, 15. O Sr. Leonildo nasceu em Três Passos-RS onde residiu até o ano de 1981 quando se transferiu para a Linha Padre Reus, em São José do Cedro-SC, onde trabalhou como meeiro. A família reside desde o ano de 1998 em sua unidade de produção familiar localizada na Linha Tigre, em Guaraciaba-SC, com área total de 5,6 ha, assim distribuída: 3,6 ha de áreas com cultivos anuais; 1,2 ha de matas nativas; 0,5 ha com açudes; 0,3 ha com construções e acessos. Parte dessa área de terras foi herdada e o restante adquirido de familiares de sua esposa. O Sr. Leonildo participa ativamente das atividades da ADM Rio Flores como um dos membros da Diretoria. Também integrou o grupo que participou do curso de Agrobiodiversidade. Realizado pelo Núcleo de Estudos em Agrobiodiversidade/ NEABio da Universidade Federal de Santa Catarina/UFSC, a convite do Técnico facilitador do MB-2, Adriano Canci, onde foram apresentadas experiências de trabalhos que incentivaram a implementação do Kit Diversidade em Guaraciaba.

Diversidade de variedades locais: tradição, origem e conservação

A família desenvolve como principais atividades agropecuárias a produção de fumo, milho e diversos cultivos para o autoconsumo e os excedentes são comercializados. Nesse grupo são cultivados diversas variedades crioulas de feijão, arroz, amendoim, mandioca, ervilha, lentilha, milho pipoca, feijão vagem, alho e cebola. Na horta são freqüentemente encontrados diversos tipos de repolho, beterraba, cenoura, salsa, alface e pimentão. As plantas frutíferas existentes na propriedade são a uva, pêssego, laranja, bergamota, limão, nêspera, jabuticaba, uvaia, mamão e banana. Também possuem criações de bovinos de leite, do qual comercializam parte da produção, além de galinhas caipiras e suínos crioulos.

O gosto e a valorização das variedades antigas foram heranças dos avós. Um exemplo para o Sr. Leonildo é o seu tio Alfonso, professor aposentando em Três Passos, que desde sua infância foi um grande incentivador dos cuidados e manutenção dos cultivos naturais de chás, ervas e frutas nativas sem o uso de venenos. Já morando em Santa Catarina, conheceu agricultores da família Fetter que plantavam diversas variedades de milho crioulo. As sementes da variedade de milho Amarelão foram obtidas da Família Vizineski, da Linha Padre Reus do município de São José do Cedro e são cultivadas pelo Sr. Leonildo há mais de dez anos. Essa variedade integrou o kit diversidade com 150 kg, sendo distribuídos entre as famílias das ADMs de Guaraciaba. As principais características do milho Amarelão, segundo o Sr. Leonildo, são “a sua rusticidade e resistência, que mesmo em anos de seca produz igual e dá uma farinha com qualidade diferente e mais gostosa que as outras”. A família também cultiva para o consumo na propriedade os milhos crioulos das variedades branco oito carreiras, mato grosso, palha roxa e cunha. O feijão preto “Schmitz” foi mantido pela família há mais de 15 anos e também fez parte do kit diversidade, com 110 kg de sementes, o que muito orgulha a família, tanto pela característica de rusticidade, qualidade do produto e pelo sabor agradável.

Produção para o autoconsumo

A família Schmitz também cultiva para o autoconsumo as variedades de feijão carioca de 60 dias, chumbinho, mourinho e cavalo preto. As variedades de mandioca são de três tipos, branca, amarela e casquinha vermelha, possibilitando a família consumirem o produto em qualquer época do ano. Com as variedades antigas de cana-de-açúcar herdadas do seu pai produzem melado e açúcar para o consumo. A variedade de arroz mantida pela família é o “branco”, cultivado há mais de seis anos. No ano de 2006 foi realizado um ensaio com 14 variedades de arroz cultivadas e mantidas entre agricultores dos municípios de Guaraciaba e de Anchieta, sendo que algumas foram originadas de outros estados e até da Argentina. Os resultados deste ensaio surpreenderam a todos, pois houve variedades que alcançaram produtividade de 160 sacas por hectare. A partir dessa experiência, o Sr. Leonildo, passou a cultivar também com o objetivo de comercializar as variedades de arroz: “Davi”- cultivada há mais de 20 anos por agricultores de Anchieta; “Preto”- bastante produtiva e saborosa e “Mato Grosso”- cultivada há 19 anos pela família do agricultor Roque de Moura, presidente da Microbacia Lajeado Ouro Verde. Esses trabalhos com arroz incentivaram e serviram de referência para novas experiências com pesquisa participativa para a região, além do teste culinário com diversas variedades de arroz para avaliar o sabor e a preferência das pessoas do local.

A família do Sr. Schmitz desenvolve princípios agroecológicos nos sistemas de cultivo adotados, não aplicando nenhum agrotóxico nos cultivos de alimentos e realizando o manejo do solo através do cultivo mínimo e uso de plantas de cobertura como ervilhaca, aveia e outras, utilizando principalmente adubação orgânica originada das criações de suínos e de bovinos da sua unidade de produção familiar.

Atualmente, o Sr. Leonildo é referência no cultivo de variedades de arroz, buscando produzir variedades de arroz para suprir a grande procura local desse cereal que surgiu a partir da divulgação dos ensaios realizados.

Produtividade e renda na Agricultura Familiar

A renda média anual da família é em torno de 20 salários mínimos, proveniente da produção anual de 10.000 pés de fumo, 200 sacas de milho, 7.000 kg de leite e prestação de serviços fora da propriedade. O que mais satisfaz a família é a comercialização dos produtos denominados de “miudezas”, que além de suprir o autoconsumo da família geram excedentes que são comercializados principalmente na própria comunidade e na sede do município. Os produtos denominados de miudezas são as sementes de milho, feijão, arroz e ervilha (produzidas para o Kit Diversidade), o açúcar de cana, o melado e a galinha caipira. A expectativa da família é atingir uma renda líquida mensal de quatro salários mínimos originada principalmente da produção de alimentos como arroz, feijão e outros, cuja demanda tem sido muito superior a oferta produzida na propriedade.

No cultivo do fumo ainda são utilizadas as práticas convencionais, visto que no momento ainda é bastante representativa a renda obtida por essa atividade, apesar do desejo de substituição gradativa desse cultivo pelo cultivo de alimentos.

A família recebe assistência técnica prestada principalmente através do Facilitador do Projeto Microbacias 2/MB-2 e dos Extensionistas da Epagri local. Atualmente a família não tem financiamentos ou empréstimos de crédito rural por afirmar que não considera necessário às atividades desenvolvidas. A propriedade possui como infra-estrutura a casa de madeira com banheiro completo e fossa simples, o galpão de fumo também utilizado como estrebaria e o chiqueiro de tábuas.

Expectativas, avanços e ameaças na Agricultura

Em relação à época em que seus pais trabalhavam na agricultura a família considera que no período atual melhorou muito, em todos os aspectos; também afirmam que as perspectivas futuras na agricultura geram incertezas, pois os filhos irão sair da propriedade para realizar estudos (a filha irá realizar curso superior em universidade particular e o filho irá realizar curso técnico na área agrícola) e não tem certeza de que retornarão à propriedade. Apesar da complexidade que caracteriza a agricultura familiar, os integrantes da família afirmaram que estão satisfeitos em relação às atividades agrícolas desenvolvidas e quando pensam no meio rural em que vivem, valorizam muito as pessoas da comunidade, o trabalho na agricultura e a importância de produzir alimentos e também a necessidade de se preservar os recursos naturais.

As principais ameaças apontadas foram a provável saída dos filhos da unidade de produção familiar para estudar e morar na cidade, os preços recebidos pelos produtos agrícolas e os altos custos de produção. Mas o que mantém a família no meio rural é o orgulho de produzir alimentos e viver num ambiente onde se sentem bem.

Palavras-chave

agricultura familiar, biodiversidade


, Brasil

dossiê

Kit Diversidade: Estratégias para a Segurança Alimentar e Valorização das Sementes Locais (Guaraciaba, Santa Catarina, Brasil)

Notas

Este artigo faz parte de capítulo do livro Kit Diversidade: Estratégias para a Segurança Alimentar e Valorização das Sementes Locais. Organizado por Adriano Canci, Antônio Carlos Alves e Clístenes Antônio Guadagnin (2010). Editora Gráfica McLee - São Miguel do Oeste-SC- Brasil

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