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O Setor de Gênero do MST

Des Sans-Terre Mouvement

03 / 2010

Sem duvida o MST é um dos Movimentos que mais mobiliza Mulheres para a luta no Brasil. É uma organização que se propõe a reunir famílias para lutar pela terra, por isso as mulheres estão presentes desde os primeiros acampamentos. Mas entre estar presente e participar existe muita diferença.

É verdade que para muitas mulheres o MST foi e é a possibilidade de se libertar de várias formas de opressão e se afirmar como mulheres e como trabalhadoras. Porém, para um grande número de mulheres, que estão presentes nos acampamentos e assentamentos, o MST ainda não criou as condições para que elas possam realmente participar da luta pela terra, pela reforma agrária e pela transformação social.

Tanto que se comparada com os homens a presença das mulheres Sem Terra na estrutura organizativa do MST, desde as instâncias de nível nacional e estadual até nas instâncias de base, ainda é pequena na maioria dos estados. Assim como é menor a participação feminina nas lutas pela conquista da terra, o que se reflete depois em pouca participação nos assentamentos.

No MST, assim como em outros movimentos sociais, sindicais e organizações de esquerda do Brasil, se construiu uma compreensão de que as lutas contra o machismo, o racismo, deveriam ser colocadas em segundo plano, devia-se priorizar a luta de classes, porque depois com o socialismo, automaticamente, todas as discriminações desapareceriam.

No entanto, a experiência de países que conquistaram socialismo mas não superaram as desigualdades de gênero, bem como as injustiças vivenciadas cotidianamente por mulheres por pessoas negras e homossexuais mesmo dentro das organizações que lutam pelo socialismo, nos ensinaram que a construção do novo homem e da nova mulher precisa acontecer junto com o processo de luta de classe.

É visível que as mulheres têm menos oportunidade de atuar nas instâncias, e quando isso acontece tem menos acesso a informações estratégicas, a estruturas, recursos, …

Também é fácil perceber que as mulheres têm menos oportunidade de participar de atividades de estudo, desde os cursos básicos, até os profissionalizantes e ou de formação política, e as poucas que conseguem ir tem dificuldade de se manter porque as condições são complicadas. Muitas mulheres militantes são mães e precisam conciliar as atividades de estudo com as dores e prazeres da maternidade, por isso o grau de aproveitamento dos conteúdos e a capacidade de concentração é menor.

Sem contar que, para as militantes que são casadas é preciso travar uma luta na família, com o companheiro, para conseguir participar de cursos mais prolongados. Ainda é muito presente a chamada dupla moral, que garante aos homens o direito de ser livre mesmo depois do casamento e a mulher tem que ser sempre “protegida” pelo pai, irmão, ou marido, por isso não fica “bem” uma mulher decente ficar viajando sozinha.

O resultado da participação limitada das mulheres na luta pela terra e no conjunto das atividades do MST aparece nos assentamentos, as áreas conquistadas pelas famílias sem terra. Em muitos assentamentos as mulheres não participam das discussões muitas sequer sabem como e onde os recursos financeiros são investidos, não influenciam na organização espacial para decidir onde deve ser a área de moradia e de produção. Em muitas dessas áreas as mulheres tem participação ativa no trabalho agrícola mas pouco poder político e econômico. Na maioria das áreas a equipe técnica e dirigentes são homens por isso quando fazem reuniões para tomar decisões pouco se importam se as mulheres estão presentes ou não.

E para agravar a situação, mesmo participando da luta, do ponto de vista oficial as mulheres continuam sem terra. Só 12% das terras de assentamentos no Brasil estão em nomes de mulheres. O Ministério da Reforma Agrária do Brasil alegava que não havia espaço no formulário de cadastro das famílias para colocar o homem e a mulher como titulares do lote do assentamento, por isso a maioria das mulheres aparece nos documentos como dependente do marido. Se ocorrer uma separação ela tem que brigar na justiça pelos seus direitos, como a maioria das mulheres sem terra tem pouca informação e dinheiro, acabam voltando para a casa dos pais ou para os acampamentos do MST lutar por um novo pedaço de terra.

Sem contar quando a mulher é considerada é apenas dependente ela não é reconhecida pela legislação brasileira como trabalhadora por isso não tem acesso a direitos previdenciários como aposentadoria, nem direitos trabalhistas como o salário maternidade, que as trabalhadoras recebem do governo por alguns meses após o parto.

Somente com a marcha nacional de 2005, a partir da reivindicação do setor de gênero do MST, o Ministério da Reforma Agrária se dispôs a alterar esse cadastro para que homens e mulheres aparecem como titulares.

Apesar de todas essas dificuldades para as mulheres sem terra participarem, já se vê sinais de que o MST caminha no sentido de buscar uma maior igualdade de gênero, para que tenhamos um Movimento de fato conduzido por homens e mulheres, como mostra nossa bandeira. Entre esses sinais podemos destacar:

Já é norma do MST que cada núcleo de base dos acampamentos e assentamentos tenha um coordenador e uma coordenadora;

Em vários cursos de formação há um esforço de se garantir a participação de 50% de mulheres;

Muitas companheiras se desafiando a coordenar setores nacionais e estaduais, evidentemente que a presença delas é maior em setores como educação, saúde, gênero, mas elas também já estão na produção, na formação, nos direitos humanos, nas finanças, na frente de massa.

A direção nacional do MST a partir de 2006 passa a ser composta por uma mulher e um homem de cada estado. Em alguns estados a direção estadual também já é formada por uma companheira e um companheiro de cada região.

Como surgiu e qual o papel do setor Gênero do MST

O setor de Gênero do MST é fruto de uma longa trajetória de luta das mulheres sem terra por maior participação no MST, para conquistarem mais oportunidades de serem dirigentes e militantes do movimento.

Após muitos anos tentando conquistar espaço no MST por meio da organização das mulheres em espaços específicos, as lideranças femininas sem terra começaram a debater esses problemas a partir do conceito de gênero, em meados dos anos de 1990.

Estudando a questão de gênero a mulheres sem terra se deram conta que precisavam envolver o conjunto da organização no debate e na construção de condições objetivas para garantir a participação das mulheres. Afinal aprendemos na experiência de mais de 20 anos do MST que é participando que se eleva o nível de consciência. E foi a partir dessa necessidade e de todo um processo de discussão interna que foi criado o Setor de Gênero, no Encontro Nacional do MST de 2.000.

Este setor tem a tarefa de animar o debate de gênero nas instâncias e setores do MST, conduzir as reflexões sobre essa temática nos espaços de formação, elaborar materiais, propor atividades, ações e lutas que contribuam para uma participação igualitária de homens e mulheres no MST, bem como cobrar a implementação de linhas políticas de gênero.

Também é papel do setor questionar coisas que são consideradas “naturais” tanto no conjunto da sociedade brasileira quanto no MST, mexer com idéias, concepções, nas regras e comportamentos machistas, mostrando a necessidade de uma nova consciência e uma nova prática de homens e mulheres se quisermos de fato construir uma nova sociedade.

Concepção de Gênero do MST

Nos materiais e nos processos de debate do MST Gênero é definido como uma espécie de modelo que cada sociedade tem e de acordo com o modelo de gênero as pessoas, os espaços, as coisas são classificadas como masculina ou feminina.

É a partir desse modelo que em cada sociedade se define o que é coisa de mulher e de homem, como cada um deve vestir, falar, andar, se comportar, pensar e onde e como devem trabalhar. Enfim, gênero é definido como um padrão sócio-econômico e cultural que influencia a vida de homens e mulheres em todos os aspectos.

O MST faz questão de vincular a luta de gênero com a luta de classe, por isso em todos os materiais e nas atividades de formação que realiza evidencia que o padrão de gênero não surge por acaso e nem permanece o mesmo ao longo da história. Nessa perspectiva, o padrão de gênero é dinâmico, vai sendo construído ao longo do tempo e se transformando de acordo com os interesses da classe que está dominando, ou a partir das lutas de quem está sendo oprimido pelo modelo de gênero existente.

Outra preocupação do setor de gênero do MST é evidenciar que as relações de gênero alicerçadas no machismo cumprem a função de “naturalizar” as desigualdades, uma vez que elas estão presentes em todos os aspectos da vida pública e privada.

As desigualdades de gênero começam nas famílias, são reforçadas nas escolas e nas religiões e, para agravar a situação, cotidianamente os meios de comunicação alimentam o machismo. É assim que a maioria das pessoas aprende, desde cedo, que é “natural” que na sociedade existam desigualdades, e se é natural não se pode mudar, por isso não lutam contra o machismo, contra o racismo, contra o capitalismo.

Outra conseqüência desse padrão de gênero desigual é que os patrões lucram muito com a opressão das mulheres, porque o trabalho doméstico, que na maioria das famílias é feito gratuitamente pelas mulheres como se fosse obrigação delas, não é remunerado pelos capitalistas. Já imaginaram como os salários teriam que ser bem maiores se as mulheres tivessem que ser pagas para passar, cozinhar, cuidar da casa, das crianças? Tudo isso é trabalho, exige tempo e esforço físico e mental, no entanto não é remunerado e na maioria das vezes nem é reconhecido como trabalho nem pelos filhos/as e maridos.

Na compreensão do setor de gênero do MST os papéis de homens e mulheres não são naturais, são sociais. Não é natural que a mulher saiba cuidar de casa e criança, ela vai aprendendo isso desde pequena nas brincadeiras (normalmente as meninas ganham brinquedos para brincar de casinha e boneca), ajudando a mãe nas tarefas domésticas, … Como também não é natural que os meninos tenham mais coragem e força, desde cedo são repreendidos quando choram, sob o argumento que homem não chora, são estimulados a brincar de forma violenta: lutas, guerras, usar armas de brinquedo…

O setor de gênero do MST concorda com a concepção do feminismo socialista de que a sociedade é que nos constrói como homens e mulheres. Se os papéis de homens e mulheres não são naturais podem ser mudados e nesse sentido que vem pressionando para que o Movimento contribua no processo de construção de novas relações de gênero, não só através de debates, mas de medidas concretas que alterem a vida real das famílias, particularmente das mulheres.

Um instrumento importante que o setor usa para cobrar do MST condições para ampliar a participação das mulheres são as linhas políticas de gênero que foram aprovadas pela coordenação nacional do Movimento em 1999.

Linhas políticas de Gênero do MST

1. Garantir que o cadastro e o documento de concessão de uso da terra sejam em nome do homem e da mulher;

2. Assegurar que os recursos e projetos da organização sejam discutidos por toda a família (homem, mulher e filhos que trabalham), e que os documentos sejam assinados e a execução e controle também sejam realizados pelo conjunto da família.

3. Incentivar a efetiva participação das mulheres no planejamento das linhas de produção, na execução do trabalho produtivo, na administração das atividades e no controle dos resultados.

4. Em todas as atividades de formação e capacitação, de todos os setores do MST, assegurar que haja 50% de participação de homens e 50% de mulheres;

5. Garantir que em todos os núcleos de base dos acampamentos e assentamentos tenha um coordenador e uma coordenadora que, de fato, coordene as discussões, estudos e encaminhamentos do núcleo, e que participe de todas as atividades como representante da instância.

6. Garantir que em todas as atividades do MST, de todos os setores e instâncias, tenha ciranda infantil para possibilitar a efetiva participação da família;

7. Assegurar a realização de atividades de formação sobre o tema gênero e classe em todos os setores e instâncias do MST, desde o núcleo de base até a direção nacional;

8. Garantir a participação das mulheres na Frente de Massa e Setor de Produção e Cooperação e Meio Ambiente para incentivar as mulheres a ir para o acampamento, participar das atividades no processo de luta, e ser ativa nos assentamentos;

9. Realizar a discussão de cooperação de forma ampla, procurando estimular mecanismos que liberam a família de penosos trabalhos domésticos cotidianos, como refeitórios, lavanderias, etc., comunitários.

10.Garantir que as mulheres sejam sócias de cooperativas e associações com igualdade na remuneração das horas trabalhadas, na administração, planejamento e na discussão política e econômica.

11.Combater todas as formas de violência, particularmente contra as mulheres e crianças que são as maiores vítimas de violência no capitalismo.

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