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Produção de alimentos para o autoconsumo como fator de desenvolvimento agrícola sustentável: uma análise do kit-diversidade sob outra perspectiva

Fernando Roberto Lorencett

07 / 2010

O desenvolvimento de alternativas que assegurem a permanência dos agricultores familiares no campo é fator fundamental para garantir a segurança alimentar nos seus aspectos qualitativos e quantitativos. É relevante a importância da sustentabilidade para o modelo agrícola familiar e para toda a humanidade, visto que é na agricultura que se garantem os alimentos para o consumo da população mundial. Iniciativas como a do Kit Diversidade demonstram efetiva eficiência, proporcionando ganhos ambientais, sociais e econômicos. A partir da produção socialmente justa e ambientalmente correta, é possível atender as demais necessidades, e para isto é importante a geração de renda aos agricultores. Com a implantação do Kit Diversidade no município de Guaraciaba foi possível perceber que após determinado período de tempo, foi atendida a demanda das famílias e das comunidades envolvidas no projeto, e geraram-se excedentes. Paralelo a isto, a partir da divulgação das ações, gerou-se demanda externa, inclusive de outras regiões do país, demonstrando a potencialidade do mercado sustentável que se vem se estabelecendo. Agricultores deixaram de comprar alimentos básicos no mercado, produzindo os mesmos, e obtendo renda para comprar roupas e outros produtos que satisfaçam suas necessidades básicas. Assim melhoram sua qualidade de vida, completando o ciclo social, ambiental e econômico de forma a garantir o bem estar das próximas gerações.

A agricultura vem passando por mudanças ao longo dos últimos anos. O modelo agrícola familiar, pelo próprio nome, já enfatiza a importância da manutenção familiar como fator vital de continuidade, a partir de um modelo sustentável que garanta segurança em termos de quantidade e qualidade de alimentos, e que permita à família rural ter acesso ao atendimento das suas necessidades sociais, ambientais e econômicas. A agricultura familiar carece do desenvolvimento de alternativas que acima de tudo, assegurem a permanência no campo, garantindo alimentos para o autoconsumo e para toda a humanidade.

Existem dois conceitos para o termo segurança alimentar. Um está relacionado a aspectos qualitativos, ou seja, qualidade dos alimentos e diz respeito à forma de produção, características como cor, sabor, presença de produtos químicos, entre outros. O outro conceito relaciona-se à quantidade de alimentos disponíveis à população, ou seja, aspectos quantitativos que envolvem políticas públicas que assegurem quantidades suficientes de alimento à população. Estes conceitos, porém, parecem ser mais abrangentes.

Quando um agricultor produz alimentos para o consumo de sua família, está garantindo quantidade suficiente para suprimento que dure no mínimo até a próxima safra. Com políticas públicas e/ou iniciativas que favoreçam o acesso a sementes, como a iniciativa do Kit Diversidade, apresentado neste livro, somado ao auxílio da extensão rural pública, são apresentadas alternativas para a produção agroecológica. Conseqüentemente, este produzirá alimentos com qualidade, e estará consciente dos benefí

A Extensão Rural trabalhada no município de Guaraciaba, SC, em parceria que envolve Epagri, Projeto Microbacias, Universidade Federal de Santa Catarina, entre outras organizações, é reforçada pela metodologia de pesquisa participativa, onde existe a interação entre agricultor e técnico, e ambos os conhecimentos e opiniões são considerados. Este trabalho é baseado na produção agroecológica, ou seja, além da produção sem agrotóxicos, repassa e incentiva a utilização de técnicas de produção que abrangem o correto manejo do solo, rotação de culturas e respeito ao meio ambiente.

Asseguradas quantidade e qualidade de alimentos para o agricultor, torna-se oportuno estabelecer uma comparação deste trabalhador rural, com um trabalhador urbano. Imaginemos um período de crise financeira, onde empresas urbanas falem ou reduzem quadros funcionais. Que alternativa teria um trabalhador urbano pai de família e sem capacidade de produzir alimentos, que dentre as necessidades humanas é essencial? Este fato, possivelmente não seria observado no meio rural, pois a agricultura é contemplada num aspecto simples, porém crucial para a sobrevivência: por pior que seja uma crise, alimento para o agricultor e sua família não há de faltar, e então se percebe a importância do assunto.

Livros de economia explicam que dinheiro é apenas um meio utilizado para medir o valor de alguma coisa, ou seja, foi inventado para atribuir valor e facilitar as trocas. Portanto, na ausência ou escassez deste (que antigamente nem existia), é possível a realização de trocas, muitas vezes solidárias. O exemplo do Kit Diversidade, a partir de um pequeno gesto de entrega de coleção de sementes demonstra efetiva eficiência, pois o agricultor que recebeu as sementes produz seu próprio estoque de sementes para a próxima lavoura, e em caso extremo, de possível adversidade, nenhum agricultor negaria um punhado de sementes a um vizinho necessitado.

Não se pretende aqui afirmar que dinheiro não é importante, mas sim demonstrar que na agricultura é possível produzir alimentos a partir das trocas, garantindo sobrevivência dos seres humanos, enquanto nas cidades este fato dizimaria uma família e conseqüentemente uma sociedade.

Demonstrada a importância da produção de alimentos para o autoconsumo da família rural, é levantada uma segunda questão. Necessidade de alimentação satisfeita, como suprir as demais, como roupas, calçados, diversão, entre outras? É necessário que os agricultores tenham renda.

Exemplos no município de Guaraciaba – SC demonstram que a partir da implantação do Kit Diversidade, a partir de um determinado período de tempo, mesmo depois de realizadas as trocas, começaram a haver, tanto excedentes de produção quanto procura por estes excedentes, advindas de outras regiões do país inclusive. Este fato tem proporcionado geração de renda às famílias participantes do projeto.

Analisando-se esta situação de forma convencional, pode-se afirmar que havendo excedentes e demanda por estes, está formada a base de um mercado sustentável, a partir do oferecimento de produtos diferenciados.

Considerando-se que a renda é necessária para a melhoria da qualidade de vida dos agricultores (que possuem os mesmos direitos dos trabalhadores urbanos), a questão do autoconsumo pode ser analisada sob outro ponto de vista, que considere além de ganhos financeiros, ganhos sociais e ambientais.

A realidade regional é que a partir da chamada Revolução Verde perdeu-se o hábito da produção diversificada. Agricultores familiares passaram a produzir em maior escala, produtos visando unicamente à comercialização, seguindo uma tendência nacional que havia se estabelecido, e que custou a degradação ambiental e o aumento de problemas de saúde relacionados à utilização de agrotóxicos. Desta forma, agricultores geravam recursos utilizados para a aquisição de bens de consumo, como roupas, calçados, e inclusive comida.

Ainda hoje na região, é possível encontrar alguns agricultores pagando por alimentos básicos como arroz e feijão, que normalmente são produzidos em outras regiões. Com o advento da produção leiteira, houve um importante incremento à renda das famílias que trabalham com o produto, (e este fato não deve ser desconsiderado, pois conforme citado anteriormente, trabalhadores rurais possuem os mesmos direitos de trabalhadores urbanos), porém, parte considerável desta renda vinha sendo consumida pela compra de alimentos básicos.

Com o trabalho do Projeto Microbacias em Guaraciaba-SC, esta realidade vem mudando. O Kit diversidade resgatou a cultura da produção de diversos produtos como arroz, feijão, pipoca, entre outros, que deixaram de ser adquiridos com desconhecimento de procedência e qualidade. Desta forma foi garantida a produção e consumo de alimentos saudáveis a todas as comunidades envolvidas, interferindo de forma positiva na renda que vinha sendo consumida, pois produzindo um alimento antes comprado, e somando-se isto à certeza de um alimento seguro (em quantidade e qualidade), ao fortalecimento das relações sociais proporcionada pelas trocas, e às vantagens ambientais produzidas pelas técnicas de produção agroecológica, os ganhos não se resumem apenas em competitividade gerada a partir da economia.

Estes ganhos estão relacionados também à segurança alimentar, e ao fortalecimento das relações sociais, que são fatores que embasam o desenvolvimento sustentável, ou seja, a produção e o consumo de hoje de forma que se assegure a produção, o consumo e o bem estar das próximas gerações.

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