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Mais saúde na produção de alimentos para autoconsumo

Cristina Druzian

07 / 2010

Comer, respirar bem, exercitar o corpo, manter bons hábitos de higiene, tudo isso colabora para preservar nosso bem mais precioso – a saúde. Sem saúde, ninguém está bem, nem nós, nem nossa família. Foi pensando nesse tema que o trabalho a respeito do kit diversidade de Guaraciaba, Santa Catarina, solicitou meu depoimento sobre saúde ao produzir o alimento no nosso próprio quintal.

Um pouco de história da alimentação, tabus e preconceitos

Nosso país tem a maior biodiversidade do planeta. Nossa flora e fauna são incrivelmente grandes. Há espécies animais ainda não catalogadas e descritas. Isso também acontece no reino vegetal.

A influência na alimentação do povo brasileiro tem origem histórica: miscigenação, colonização e imigração (ver capítulo 3.1). Como país de clima predominantemente tropical, aprendemos a comer mandioca, cultivamos cana-de-açúcar e café. No Sul do país, especificamente, além da famosa combinação brasileira do arroz (cereal) com o feijão (leguminosa), aprovada por nutricionistas de todo o mundo, herdamos hábitos alimentares das populações indígenas, dos colonizadores portugueses, dos escravos africanos, e dos imigrantes, entre eles os italianos e alemães.

Com essa diversidade na cultura alimentar, podemos destacar alguns hábitos favoráveis e outros potencialmente perigosos para a saúde.

Dividiremos esses perigos potenciais em MITOS, para facilitar nossa dissertação sobre o tema.

Mito um

“Meu avô cozinhava com banha de porco e viveu até mais de 90 anos, então posso manter a banha de porco em minha dieta”.

Nem tudo o que os antigos imigrantes faziam é o melhor para nossa saúde. Sabemos que o excesso de gorduras atrapalha a digestão. Somada a um consumo pobre em fibras e cereais, leva ao câncer intestinal, doenças da circulação e coração, gastrite e úlceras – através da irritação do estômago e também do aumento da taxa de gordura no sangue, conhecida como colesterol.

“Mas eu produzo a banha de porco aqui na propriedade, não posso usar?”

Com certeza, a gordura é parte importante da alimentação, sem ela nós também podemos ficar com carência alimentar, porém seu excesso é mais prejudicial que sua falta! Evite fritar a banha, consuma-a com muita moderação para fazer a comida. Em uma família com cinco pessoas, o consumo mensal não deve ultrapassar um litro de banha – mais do que isso pode prejudicar a saúde.

Mito dois

“A comida sem sal fica fraca, como eu trabalho na roça, preciso de comida forte”.

É muito justo que as pessoas que exercem atividade física intensa, como o trabalho da roça, tenham alimentação mais calórica – ou forte. Mas isso significa basicamente alimentar-se melhor, escolhendo, entre os alimentos saudáveis, aqueles que podem ajudar mais a “completar a carga de energia” necessária para o trabalho. Nossos rins (são órgãos que ficam na altura da região lombar e filtram o sangue o tempo todo) não suportam mais de 5g de sal por dia. Comer mais de uma colher de chá de sal rasa por dia sobrecarrega o organismo. Devemos, ainda, lembrar que o sal existe em boa parte dos alimentos comprados prontos ou feitos na roça – as conservas e os embutidos.

“Eu produzo salame e conserva de pepino na minha propriedade. Não posso mais consumi-los?”

As conservas existem para preservar os alimentos do apodrecimento. Mas, quando se trata da carne, o apodrecimento é inevitável. O resultado desse apodrecimento é a produção de putrescinas, que fazem muito mal à saúde. O hábito de produzir e comer embutidos deveria ser abandonado, especialmente se você é portador de pressão alta e muito colesterol no sangue. Mas se o costume/hábito falar mais alto, algumas medidas podem melhorar a qualidade do embutido para consumo. Por exemplo, usar metade da quantia de sal da receita original, e armazenar em geladeira. Não acrescentar cubinhos de gordura ao salame. Não consumir fora do prazo de validade. Evitar fritar o salame.

Mito três

“Se o corpo pede aquele tipo de comida é porque está precisando”.

Ora, muitos diabéticos (pessoas que não podem comer açúcar porque não têm um hormônio para digeri-lo, a insulina) têm desejo de doces. Se um diabético, entretanto, começar a comer doces, ficará muito doente. Nem sempre aquilo que desejamos comer é um reflexo do que o corpo precisa. Se fosse assim, nenhum de nós seria gordo ou magro demais. Infelizmente, os motivos para gostarmos desse ou daquele alimento são culturais, genéticos e também mudam de acordo com nossa disposição de humor, parasitose intestinal (bicha/vermes), gravidez e amamentação, influência da propaganda. Basta pensar que na hora de assistir TV a maioria das pessoas querem comer uma pipoquinha! Então, o primeiro passo é se olhar no espelho, observar nossa língua e dentes, a umidade da boca, a qualidade da pele. Se estivermos comendo muita coisa que não é adequada, poderemos estar muito acima ou muito abaixo do peso. Se bebermos pouca água, nossa língua ficará grossa, com pouca saliva e esbranquiçada, o suor mais forte e concentrado, a urina mais escura, as fezes ressecadas. Se estivermos comendo poucas frutas, verduras e legumes, o intestino fica “preso” e normalmente se acumulam gases intestinais. Se comermos alimentos excessivamente condimentados, o estômago dói.

Então o que devo fazer para melhorar a alimentação e saber o que devo ou não comer?

Soluções:

  • Você está muito acima do peso, com dobras de gordura no corpo? Precisa reduzir a quantidade de alimentos em cada refeição. Alimente-se bem, com várias refeições pequenas. Não “pule” refeições. Dê preferência a um desjejum (café da manhã) mais completo e uma janta menor (tomar o desjejum como nobre, almoçar como plebeu e jantar como pobre). Coma metade do prato que normalmente faria e não “belisque” cueca virada, pipoca, mandioca e bolachas entre as refeições. Quando sentir muita fome, um pouco antes de sentar-se à mesa, tome dois copos grandes de água. Use chá, chimarrão e café sem açúcar entre as refeições. Usar uma pequena fruta ou iogurte sem açúcar às 9h30 horas e às 16 horas aumenta o metabolismo, diminui a fome e a secreção acentuada do hormônio insulina, que também aumenta o ganho de peso nos gordinhos de longa data. Caminhadas diárias de pelo menos 30 minutos fazem muito bem e queimam calorias.

  • Se você é do tipo que come muito e não engorda, alimente-se a cada três horas, não exagere nas quantidades, porém, escolha alimentos de maior aporte calórico (cereais e alimentos enriquecidos com soja. Frutas “gordas” (alto índice glicêmico) como bananas, mangas e uvas). Não troque refeições por salgadinhos e não chupe balinhas antes das refeições, porque elas tiram a fome. Procure usar mel na alimentação regularmente. Pratique exercícios, pois eles melhoram a fome e aumentam a massa magra (músculos).

  • Você é gestante? Não caia na conversa que deve “comer por dois”. A necessidade alimentar da grávida é um pouco maior, mas deve-se procurar alimentos frescos, comer mais frutas e verduras e não encher muito o prato. Assim como para as outras pessoas, comer demais faz mal para a gestante e o feto. A mamãe desenvolve altas taxas de açúcar no sangue, o peso do feto aumenta demais, e há mais chances de complicações na gravidez. Alimentos com muito sal, açúcar e gorduras devem ser evitados durante a gestação. Ingerir pelo menos duas porções de leite e laticínios diariamente.

Duas situações a refletir.

Primeira: quando você engravidou já estava acima do peso. Aí, deve tomar mais cuidado ainda, porque a gordura em excesso prejudica a mãe e o filho.

Segunda: não consegue comer porque tem muito enjôo, e começou a perder peso. Nesse caso, procure seu médico. De manhã, use apenas alimentos secos – bolachas, pão – para não distender o estômago. Após as 10 da manhã, alimente-se normalmente. O ideal é alimentar-se de pequenas porções, a cada três horas, evitar frituras e massas.

Beber quatro a seis copos cheios de água é fundamental na gravidez, pois os rins estão mais lentos (coitados dos nossos rins na gravidez!). Com o aumento progressivo do útero, os ureteres – que são mangueirinhas que carregam a urina dos rins para a bexiga – ficam desviados para os lados e dificultam o trabalho renal. Se a futura mãe já apresentava cálculos (pedras) nos rins, deve tomar mais cuidado ainda!

Mito quatro

“Como sou diabético, só posso comer açúcar natural das frutas, mel e melado”.

Cuidado, isso é totalmente errado. O diabetes é, por assim dizer, uma “alergia” (intolerância) ao açúcar. Mesmo o açúcar contido nas frutas, mel e melado fazem mal ao diabético. Como as frutas não contêm apenas açúcar, mas também sais minerais, fibras e vitaminas, recomendam-se três unidades ao dia – atenção, mais que isso pode fazer o açúcar no sangue subir muito.

Mel e melado precisam ficar fora da dieta do diabético.

Além disso, sabemos que a maioria dos alimentos é transformada em açúcar ou gordura no organismo através do processo da digestão. Então, consumir açúcar “livre” (que é o açúcar propriamente dito, o mel e o melado também) só faz mal a quem é portador de diabetes.

Quando consumido em exagero, todo adoçante artificial faz mal à saúde. Exagerar é consumir 200 gotas ou mais ao dia. Existe uma erva chamada estévia que é um adoçante natural, e não tem restrição para o seu uso. Mas observe: a maioria das preparações que contêm estévia apresenta em sua fórmula sacarina ou ciclamato, que são artificiais e restringem seu uso.

Mito cinco

“Comer carne vermelha dá câncer”.

Ora, ora, então povos cuja base alimentar é a carne deveriam estar extintos. A base alimentar no interior do Brasil, de Norte a Sul, é a carne vermelha. Não podemos culpar única e exclusivamente a carne pelo aumento de câncer no mundo. Mas há algumas reflexões a fazermos:

  • Consumir carne do gado que recebeu muito hormônio aumenta os níveis dos nossos hormônios. Hormônios, quando em excesso, causam muitos danos à saúde, entre eles o câncer.

  • Consumir carne e não consumir fibras pode ser péssimo negócio para o trânsito intestinal, e levar ao câncer.

  • A carne em conserva, rica em nitritos, também pode levar ao câncer do sistema digestivo.

Carne é um alimento muito rico em proteínas. Seu consumo é importante na alimentação humana, mas seu exagero, como o de qualquer outro produto alimentar, pode ser prejudicial à saúde dos rins.

Devemos dar preferência ao consumo de produtos animais com procedência conhecida. Não podemos viver só de carne: alimentar-se com fibras naturais, frutas, verduras e legumes é muito importante. Evitar carnes embutidas (salame e mortadela) e enlatadas (conservas). Carne muito salgada prejudica os rins e leva ao aumento da pressão arterial (sabe aquela sensação de inchaço e boca seca após a churrascada?).

Mito seis

“Macarrão instantâneo dá câncer de intestino”.

Isso não é mito não, gente!!! É melhor comer o nosso arroz com feijão. O macarrão instantâneo forma uma “bola” muito difícil de digerir no intestino, e seu uso costumeiro pode levar ao câncer intestinal, uma vez que a saúde do intestino depende das fibras. As fibras alimentares agem como vassourinhas que removem resíduos intestinais. Como sabemos, as carnes e outros alimentos são produtores de putrescinas. Na ausência de fibras alimentares, as putrescinas permanecem maior tempo em contato com as paredes do intestino, podendo causar reação inflamatória. Se ainda por cima o indivíduo em questão tem outras formas de propensão ao câncer intestinal (pólipos, divertículos, colite ulcerativa), esse retardo na eliminação do bolo alimentar digerido – que se tornam as fezes eliminadas – causa mal estar, distensão, infecções e, em última análise, leva ao câncer. Nesse caso nada mais é que a inflamação constante do órgão, até que não haja mais reparo dos tecidos normais.

Mito sete

“Meu filho pequeno não come. aí, eu dou mamadeira e bolachas pra ele”.

Você já ouviu falar de caloria vazia? Pois é, após os dentes terem nascido, a criança precisa comer os alimentos mastigados! Só leite não é o suficiente. Não devemos acostumar nossos filhos com a mamadeira, o ideal é passar direto do peito para o copinho! E não podemos chantagear as crianças com balas, bombons e biscoitos! Se a criança aprende a comer alimentos mastigáveis desde cedo, terá menos problemas de saúde bucal e gastrintestinal durante sua vida. Não é maldade negar a balinha e o salgadinho para seu filho, maldade é oferecer essas coisas pra ele, com tanta coisa boa no quintal de sua casa pra comer!!!

Nossos hábitos alimentares são passados de pai para filho, e com certeza, além de aprendermos muitas virtudes, também herdamos de nossos antepassados tabus alimentares, que precisam ser questionados.

Sabemos hoje que, quanto maior o peso da criança, maior a chance de tornar-se um adulto obeso, muitas vezes mais propenso ao diabetes, hipertensão arterial e colesterol alto, ou seja, com menos chance de viver muito. Se queremos longevidade para nossas crianças, temos que influenciar positivamente sua alimentação, orientando e dando exemplo.

Key words

nutrition, consumption, health


, Brazil

file

Kit Diversidade: Estratégias para a Segurança Alimentar e Valorização das Sementes Locais (Guaraciaba, Santa Catarina, Brasil)

Notes

Este artigo faz parte de capítulo do livro Kit Diversidade: Estratégias para a Segurança Alimentar e Valorização das Sementes Locais. Organizado por Adriano Canci, Antônio Carlos Alves e Clístenes Antônio Guadagnin (2010). Editora Gráfica McLee - São Miguel do Oeste-SC- Brasil

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