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A FORMAÇÃO DE QUADROS: desafios e necessidades

(Parte 1)

Ademar Bogo

03 / 2010

Formar quadros sempre foi uma tarefa importante na história das organizações que enfrentaram decididamente a luta de classes.

A responsabilidade que nos toca como militantes do momento é nos preparar para as próximas batalhas que haverão de forjar o caminho para as novas gerações que continuarão esta longa e penosa caminhada da emancipação do ser humano.

Até aqui a humanidade fez a sua experiência e nos trouxe, como presente, a história feita e os conhecimentos elaborados. É por meio disso que podemos dizer que sabemos e é pela humanidade que ainda nascerá que nos propomos a aprender, a descobrir e a inventar tudo quanto seja possível para que, no futuro, possam se orgulhar de nós tanto quanto nos orgulhamos daqueles que nos antecederam.

1. O momento em que vivemos

Se o mundo fosse um coelho, disse Jostein Gaarder, o autor de “O mundo de Sofia” os filósofos estariam na ponta dos cabelos, e lá do alto ficariam a gritar para alertar aos acomodados que, rente ao couro cabeludo, cuidariam de seus próprios interesses.

Essa é sem dúvida a imagem mais bonita que alguém já pôde formular sobre a importância dos educadores e militantes que conduzem a luta de classes. Correr riscos, mesmo que isso implique sacrifícios e dores para buscar e levar o conhecimento adiante. O conhecimento é a consciência da história; sem ele, a história não tem juízo, porque esconderia a profundidade da verdade.

Desde que iniciamos a nossa militância, e o fizemos com o nosso Movimento (isso porque a ditadura militar conseguiu destruir muitas organizações tanto políticas quanto armadas, mas não conseguiu impedir que elas ressurgissem de outra forma para enfrentá-la e derrotá-la definitivamente), é que ouvimos falar de Ernesto Che Guevara. E ouvimos não porque as pessoas que nos contaram sobre ele eram admiradores de seus textos. Ouvimos porque o Che como revolucionário se elevou a uma categoria superior de ser humano e por isso todos falavam do Che, mas, mais do que isso, muitos seguiam os seus ensinamentos.

Ele disse que o quadro é a coluna vertebral da organização. Se ele fez tal referência, é porque imaginava que a organização é um ser vivo como qualquer outro que pode ter o vigor e a força enquanto é jovem e ser lenta e pacienciosa quando envelhece. Pode se desenvolver física e mentalmente, pode ficar doente ou adquirir todos os desvios de caráter que um capitalista explorador aprende durante a vida.

Quem move esse ser vivo é a “coluna vertebral”; nela está a responsabilidade de todos os movimentos, da agilidade, dos movimentos bruscos e também está a força da sustentação dos braços, das pernas e da cabeça. Quando há rompimento da coluna, este se torna paralítico.

Os militantes são responsáveis para que o corpo da organização se movimente. A coluna vertebral somos todos nós ligados uns aos outros. Ao mesmo tempo em que pressionamos uns aos outros para que cada um faça a sua parte, também nos protegemos.

É verdade que essas vértebras, vermelhas, vivem em tempos determinados, carregam pesos que as épocas colocam no caminho da história e, com isso, levam para a frente da batalha todas as esperanças de não se deixar dominar.

No momento, a história mundial nos tem sido muito ingrata. No passado, quando nem éramos conhecidos como organização, existia uma turbulência revolucionária pelo mundo. Na década de 1970, no continente africano, as lutas pelo socialismo se misturavam com as lutas por independência do colonialismo, principalmente português. Na Nicarágua avolumavam-se os contingentes de massas para levar a cabo a revolução; e em todos os países da América latina havia um crepitar de vontades em busca das sonhadas superações das ditaduras militares e da construção de um novo tempo de justiça.

Eram as sementes que germinavam e faziam surgir plantas de muitas espécies – a principal delas foi os movimentos sociais no campo e na cidade.

Os sindicatos, as igrejas e os partidos políticos combinavam entre si suas táticas e animavam as lutas espontâneas pelos direitos e contra a ditadura. Eram sementes que se tornaram árvores e produziram outras sementes. Somos dependentes desses troncos robustos e rendemos a eles as nossas homenagens e agradecimentos por nos terem iniciado no caminho da luta.

Aprendemos com entidades que nos ajudavam que “só dirige quem sabe”; como pouco sabíamos de táticas e estratégias, nos sentíamos mal porque transparecia que tínhamos direito a ter um corpo, mas nunca uma cabeça própria. Então vinha o complemento da filosofia: “por isso todos têm que saber”. Mais tarde, viemos a perceber o quanto isso tinha de revolucionário. Dirige quem faz, porque, ao mesmo tempo planeja e projeta onde quer chegar. As lutas de massas precisam de muitos líderes, porque em todos os lugares tem gente querendo saber mais.

Então era preciso conhecer e compreender corretamente. Quando imaginávamos que as surpresas haviam acabado, vinha outro desafio teórico para decifrar: “a consciência vêm do exterior”; mas como, se a consciência está dentro de nós? Como poderia vir do exterior? Então, novamente dávamos o conteúdo ao conceito sem perdermos a essência do pensamento.

Compreendíamos facilmente que em outros lugares havia lutas, não éramos os primeiros a lutar. Essas lutas chegavam até nós através de textos, de filmes ou de narração verbal. Então sentíamos nascer em nós a vontade de fazer ainda mais, estudar ainda mais, lutar ainda mais e a melhorar infinitamente o comportamento. Logo, o corporativismo, doença de muitas organizações que nos rodeavam, tinha que ser eliminado. A luta não era para resolver os nossos problemas particulares apenas, mas os problemas de toda a classe trabalhadora. O regionalismo tinha que ser superado; o movimento deveria ser nacional e ter relações com todas as organizações de trabalhadores do mundo.

A luta de classes, entendíamos facilmente. Para evitar entendê-la como se fosse apenas a derrota de um latifundiário, proprietário da fazenda que ocupávamos, havia um pensamento ilustrativo que dizia: “O inimigo sempre volta”. Era preciso ficarmos atentos porque o inimigo era maior do que aquele proprietário. Havia o Poder Judiciário, a polícia e quase sempre um contingente enorme de latifundiários armados para nos atacar.

Quando se resolvia o problema da terra, faltavam os créditos para plantar, e nas mobilizações lá estava a força policial nos atacando novamente, os juízes processavam os militantes; não havia sossego.

Quando se resolvia o problema dos créditos faltava a escola para as crianças; então o destino era pressionar as prefeituras, lá estava o prefeito, a polícia e o juiz novamente a espera para nos atacar. De modo que entendíamos facilmente que a luta de classes deveria ir até o fim, para nos reconstruir completamente, derrotando os nossos inimigos por inteiro.

Então aprendemos que não bastava mobilizar: era preciso organizar e fazer acontecer aquilo que as idéias às vezes buscavam sem autorização. Mas essa organização tinha que ter princípios e, dentro dela, uma estrutura muito sólida de quadros que preservassem pela unidade e pelos compromissos de classe. Mas essa unidade nunca poderia ser mantida se não fosse pela afetividade. Esta, como uma força aglutinadora, não poderia faltar para evitar as divergências, garantir a democracia e a participação.

2. Os nossos desafios

Os desafios estão presentes em qualquer tempo na história. Quem se descuida deles perde a noção do tempo e perde-se na elaboração das táticas.

Podemos enumerar alguns deles que nos acompanharam o tempo todo:

a) Formar quadros e manter a coerência no período pré-revolucionário

Esse período é aquele que antecede ao desfecho da revolução. Pode levar anos e décadas. A revolução pode ser prevista, mas também é uma grande surpresa tanto para as forças revolucionárias quanto para aqueles que agem contra.

O movimento entre as forças contrárias é que leva ao desfecho da luta revolucionária. Por esse período ser longo e às vezes perder a atração, as tendências se manifestam de forma teórica e prática no sentido de inventar alternativas para abreviar o tempo de espera.

Os desvios florescem com facilidade, pois nos momentos indefinidos todas as idéias querem ter a razão e ser portadoras da verdade.

O reformismo coloca-se como o caminho da conformidade para estabelecer negociações nas quais o Estado é o interlocutor entre a luta social e o capital; assim, a revolução se reduz a um sentimento e não vai adiante.

O corporativismo conduz a respeitar as leis para chegar ao poder, depois para garantir a ordem. Assim, vai se perdendo a identidade de classe e se ampliando cada vez mais o horizonte da democracia burguesa, que pode atender, ilusoriamente, a todos os objetivos sem se deixar desmanchar.

b) Flexibilizar a estrutura organizativa para ampliar a participação e formar mais quadros.

A organização é a única forma de fazer as idéias tornarem-se prática revolucionária.

Os militantes e quadros somente podem surgir em grande quantidade se houver a previsão do espaço que devem ocupar. Por isso, a estrutura da organização também é uma opção. Se a referência é uma estrutura vertical, ela terminará sempre em forma de pirâmide e, em última instância, o poder estará concentrado em poucas mãos, como fazem os partidos burgueses. Ao contrário, se optarmos pela estrutura horizontal, esta se torna caudalosa como os rios que se ampliam ainda mais quando chegam ao mar. O poder não está concentrado, embora não se deixe de ter fortes referências.

Para cada tipo de estrutura haverá também uma política de formação. Então a filosofia da organização combina-se com o perfil dos quadros de que ela precisa. Ou seja, se a filosofia for pacifista os quadros terão o perfil da acomodação e sempre utilizarão táticas não ofensivas. Se a ideologia for reformista, os quadros tenderão a se dedicar às negociações e a fazer concessões. Porém, se a ideologia for revolucionária, os quadros tendem a se empenhar em fazer a revolução. As lutas se tornam ofensivas e as idéias cada vez mais críticas, porque a convicção é socialista.

c) Compreender a organização como mais do que um programa

A organização é onde se concentra o esforço coletivo, ela é um lugar, mais do que uma sigla e um programa. Um lugar onde se pensa, se planeja, se age, se avalia, se convive, se desenvolvem valores, a mística e a animação coletivamente. É um lugar onde os hábitos se tornam aprendizado histórico. E a participação é o caminho da formação e do crescimento político constante.

A organização carrega e implementa o programa; sem ela, falta o espaço onde se pode estabelecer as relações políticas entre os mesmos sonhadores.

d) Zelar e desenvolver o referencial ideológico para alimentar a consciência

Entendemos como ideologia não aquilo que “esconde”, mas aquilo que revela o que está escondido, e isso não é tarefa para qualquer ideologia. Somente o marxismo como ciência da história pode nos ajudar a buscar o conhecimento sem distorções.

A consciência é uma força viva, dinâmica que precisa ser estimulada e alimentada permanentemente; caso contrário, ela se desfaz e se refaz de outra forma. O dever de um quadro revolucionário é o de cuidar da consciência, sua e de seus companheiros e companheiras. Alimentá-la corretamente para evitar que se vicie com falsos tratamentos.

A reflexão deve ser uma tarefa permanente para que se possa perceber onde estão surgindo os equívocos para poder eliminá-los a tempo, antes que se tornem prática.

É preciso então uma ideologia revolucionária que revele a todo o instante os passos da revolução. Sem ela não há causa revolucionária, nem utopia.

Os quadros precisam de leituras, tempo de concentração para assimilar a ciência e contestar pontos de vista equivocados. É importante, então, dominar as técnicas de leitura e de estudo, que se adquire pela escolaridade, e acreditar que todo quadro é um excelente autodidata, que busca, por si só, desenvolver os hábitos e as técnicas específicas de estudo e leitura. Quem pensa bem, escreve bem. Quem pensa bem fala clara e simplificadamente.

e) Colocar a ética, moral e valores como referência para produzir cultura política

A formação não é só teoria do conhecimento, mas também do comportamento. É importante dar o testemunho daquilo que diferencia um revolucionário de um reacionário. A busca da transformação é longa e dolorosa, porque muitas vezes temos que agir contra nós mesmos.

A formação é a busca da elaboração de conteúdos para que se possa praticar uma nova moral e para que os valores tenham e mantenham um conteúdo revolucionário.

É preciso então saber combinar objetivos, conteúdos e métodos. Sem isso, perde-se a noção do fazer e do acontecer das coisas.

O “homem novo” descrito por Che Guevara é um ser altamente dinâmico, que aprende a não se deixar dominar por fora nem envelhecer por dentro.

É um ser novo porque tem a coragem de buscar novas idéias e de desenvolver novas práticas. A cultura é filha da capacidade que temos de elaborar e de propor novas práticas e de repeti-las coletivamente.

Não basta lutar para que uma revolução se torne vitoriosa. A luta é apenas uma parte. Ela é a parte na qual se aplica a força, a inteligência, para destruir o velho que atrapalha, seja na esfera social, seja na individual.

Uma revolução não é só destruição e negação. Ela é muito mais construção e afirmação. O grande dilema é saber se aquilo que afirmamos é revolucionário ou se ainda permanece no campo reacionário.

O juízo que fazemos da luta dos contrários, que está em todos os lugares, leva-nos muitas vezes a darmos razão àquilo que desejam os nosso interesses, mas do ponto de vista da revolução pode ser um grande erro.

A luta para mudarmos aquilo que aprendemos de errado em um ano na velha história é muito mais difícil do que enfrentar por uma década inimigos militarmente qualificados.

f) Elevar permanentemente o conteúdo dos princípios

Os princípios se diferenciam dos dogmas por se deixarem modificar quando há necessidade no entendimento político. Na verdade não há mudança, mas uma ampliação, um acréscimo no conteúdo. Essa necessidade se dá pelo avanço das contradições. Pode ser que em um determinado momento, em uma certa conjuntura, o princípio da “direção coletiva” seja compreendido de uma forma na qual poucos quadros podem fazer parte dela; mas, em outro momento, o conteúdo do princípio pode exigir que se amplie a participação e que os quadros modifiquem seu estilo de trabalho prático.

Sempre que as idéias e os métodos se tornam ultrapassados, as forças começam a perder a eficiência. Unificar e tornar consciente a causa é um desafio que não se pode perder de vista. As massas e os quadros têm que ter a mesma causa. Não pode haver diferenças entre o que pensam e o que querem as massas e os quadros.

As massas fazem barulho porque carregam as causas coletivas. Com elas vai a alegria, a beleza e a solidariedade. Os princípios são respeitados quando se tornam convicção na consciência dos quadros.

g) Cuidar dos Quadros

A organização precisa aprender a cuidar de sua “coluna vertebral”, atendê-los em suas necessidades e deixá-los fazer a sua própria experiência.

A organização que não cuida de seus quadros não cuida de si própria, pois a parte mais significativa de sua constituição são os militantes.

A história de uma organização é a história de vida de seus próprios militantes. Saber cuidar deles é extrair das forças humanas a energia necessária para torná-la história.

Uma organização harmoniza-se quando há preocupação do cuidado entre uns e outros. A visão da pertença orienta para isso. Pertencer a um coletivo é integrar-se a ele para agregá-lo ou para estreitar ainda mais as partes para formar um todo. Quando uma das partes se descuida, as outras partes precisam socorrê-la para que não se solte.

Por fim, podemos dizer que há indicativos de que a humanidade está vencendo a ignorância e a desorganização e vive um tempo de dinamismo e evolução.

Mas isso não é o suficiente para livrá-la da decadência da própria civilização. Por isso, pessoas como Istvan Mészáros se arriscam a afirmar que “A humanidade não tem uma infinidade de tempo à sua disposição, tem de enfrentar o perigo de sua auto-aniquilação”.

Aniquilar a humanidade significa aprofundar o estado de barbárie e a destruição da vida no planeta. O capitalismo, portanto, tem mais dilemas do que soluções a apresentar.

Os quadros do século 21 terão a tarefa de interpretar os desafios fundamentais e de apresentar soluções para que eles não sejam mais fortes do que as forças da revolução.

A nossa escola está aberta para esses desafios. Daqui vamos passar em revista o mundo e, como um ponto de partida, sair em busca das soluções.

A nossa escola estará aberta a todas as pessoas e idéias que quiserem participar dela, mas terá uma condição fundamental a cumprir: submeter-se à orientação política e pedagógica de Florestan Fernandes. Ninguém poderá ignorar isso. É com ele que educaremos os nossos quadros e as futuras gerações de trabalhadores e militantes Sem Terra.

Continuemos, companheiros e companheiras, as páginas mais belas da história ainda estão por ser escritas!

Leia a segunda parte do artigo

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