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Um marco na consolidação do estado de bem-estar brasileiro - Parte 1

Patrus Ananias de Sousa

06 / 2008

Em seus quatro anos e meio de existência, o Programa Bolsa Família (PBF) superou importantes desafios de implementação e tem gerado resultados significativos na melhoria das condições de vida da população mais carente de nosso país.

Como um dos principais eixos da rede de proteção e promoção social brasileira, o programa vem contribuindo para reduzir a pobreza e as desigualdades sociais que se acumularam ao longo de nossa história. Contudo, há ainda um longo caminho a trilhar para que os mesmos direitos e as mesmas oportunidades sejam efetivamente garantidos a toda a nossa população. Para tanto, é necessário consolidar o novo patamar de desenvolvimento que vem se delineando em nosso país, mais justo e solidário, que combina crescimento econômico e inclusão na esfera dos direitos de cidadania e no mercado daqueles segmentos anteriormente excluídos dos frutos desse crescimento.

O processo de construção do sistema brasileiro de proteção social, a partir da década de 1930, foi estritamente associado à inserção nas categorias profissionais regulamentadas pelo Estado. Esse modelo reforçou as desigualdades oriundas do mercado de trabalho e aprofundou a estratificação e segmentação social numa sociedade já bastante desigual. Essa discriminação institucional feita pelo Estado perdurou até a promulgação da Carta Magna de 1988.

O atual modelo de seguridade social, definido pela Constituição de 1988, apresenta três grandes componentes: Saúde, Previdência Social e Assistência Social. A organização desse sistema de seguridade social – uma realidade ainda em construção em nosso país e desigual nos estágios de cada componente – deve garantir a universalidade da cobertura e do atendimento, a diversidade da base de financiamento e o caráter democrático e descentralizado da gestão.

A Constituição de 1988 promoveu muitos avanços no marco legal das políticas de seguridade social. Esses avanços eram fortemente destoantes das práticas até então vigentes das políticas sociais, estruturadas, num extremo, em torno do modelo que Wanderley Guilherme dos Santos (1987) chamou de “cidadania regulada”, no qual somente têm direitos aos benefícios sociais aqueles em empregos formais, ou baseadas no outro extremo, em torno de favores pessoais, num modelo de assistência marcado pela exigência do apoio político, da desestruturação dos serviços locais e da inexistência de normas e de procedimentos regulares, num modelo clientelístico tal como mostrado por Victor Nunes Leal (1973).

Ao longo da década de 1990, as políticas públicas da seguridade social foram sendo gradualmente regulamentadas. Houve avanços em direção à consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS) e à ampliação da abrangência do sistema previdenciário. Contudo, os índices de desigualdade persistiram elevados ao longo daquela década, e as políticas de proteção e promoção social seguiram como tema secundário com relação à agenda econômica.

Com a eleição do presidente Lula em 2002, a agenda social conquistou um papel central nas políticas públicas governamentais, tendo como marco o lançamento da estratégia de governo Fome Zero já naquele ano, antes mesmo de sua posse, com o objetivo de assegurar o direito humano à alimentação adequada, integrando diversos programas e ações. Com o Fome Zero, a transversalidade das políticas públicas passou a ocupar um lugar de destaque na discussão do desenvolvimento social (1).

Em 2004, a transversalidade e a integração de políticas sociais, com o objetivo de estruturação de uma rede de proteção e promoção social, deram um passo adiante no que diz respeito ao desenho institucional, com a criação do MDS, que reuniu, além da coordenação das ações de segurança alimentar e nutricional, os eixos da assistência social e da transferência de renda com condicionalidades. Desde então, tanto nas áreas de assistência social como de segurança alimentar e nutricional (SAN), a atuação do MDS vem sendo estruturada em dois sistemas integrados de políticas públicas: o Sistema Único da Assistência Social (Suas), instituído a partir de 2005, e o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), criado em 2006.

Ambos os sistemas resultaram de um amplo e vigoroso processo participativo de debates e se encontram em fases distintas de implementação.

O Suas integra os programas e as ações de proteção e promoção social das três esferas de governo, efetuando a coordenação de ações numa perspectiva hierarquizada e territorializada, de forma a garantir o direito à assistência social em todo o território nacional. Já o Sisan, descrito pela também recente Lei Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan), é marcado por uma estratégia intersetorial, ao reunir programas e ações centradas na promoção do direito humano à alimentação adequada, executadas por diferentes instituições, e fundado sobre a experiência e o aprendizado da estratégia Fome Zero.

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Inovações

Entre o eixo predominantemente intergovernamental do Suas e o eixo predominantemente intersetorial do Sisan (2), a transferência de renda com o PBF funciona como ponto de articulação dos sistemas ao fornecer instrumentos para a garantia do direito humano à alimentação adequada – tendo em vista que o benefício financeiro é, em grande parte, empregado na compra de alimentos. Ao mesmo tempo, põe em prática o direito à assistência – a transferência de renda às famílias auxilia na constituição e manutenção de ambientes familiares mais estruturados e saudáveis.

O desenho do PBF apresenta inovações e rupturas importantes com as políticas sociais praticadas ao longo do século XX no Brasil. Em primeiro lugar, trata-se de um programa de transferência de renda com escala – inédita –, sendo considerado pelo Banco Mundial o maior programa de transferência de renda com condicionalidades do mundo. Está presente em todos os 5.563 municípios brasileiros e mais o Distrito Federal, atende a cerca de 11,1 milhões de famílias pobres (3) e conta com um orçamento aprovado para 2008 de R$ 10,4 bilhões.

Em segundo lugar, o PBF foi instituído por uma lei federal e está normatizado por um sólido conjunto de regulamentos composto por decretos presidenciais e portarias (4) que definem os objetivos, critérios e procedimentos para os diversos aspectos da operacionalização do programa, incluindo a complexa gestão de benefícios e de condicionalidades. Segundo esses regulamentos, são elegíveis ao programa todas as famílias pobres que vivem com renda mensal per capita inferior a R$ 120 por mês. O valor do benefício que pode ser recebido por cada família é formado pela soma de três componentes: (a) o benefício básico, no valor de R$58, é pago a famílias com renda mensal por pessoa de até R$ 60, independentemente do número de crianças, adolescentes ou jovens; (b) o benefício variável, no valor de R$ 18, é pago a famílias com renda mensal por pessoa de até R$120 nas quais há crianças ou adolescentes de até 15 anos; e (c) o benefício variável vinculado ao adolescente é pago a famílias com renda de até R$ 120 nas quais há jovens de 16 e 17 anos freqüentando a escola.

Esses três componentes podem ser cumulativos conforme a renda e a composição da família, sendo que a família pode receber até três benefícios variáveis, totalizando R$ 54, e até dois benefícios variáveis vinculados ao adolescente, totalizando R$ 60. Portanto, dependendo da situação em que vivem e da composição familiar, o mínimo pago às famílias é de R$ 18, e o máximo, de R$ 172.

Atualmente, o valor médio dos benefícios transferidos é de aproximadamente R$ 75 por família. A seleção dos titulares é feita exclusivamente com base nos critérios predefinidos para recebimento do benefício a partir dos dados constantes do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (Cadúnico).

Ao entrarem no PBF, as famílias assumem compromissos – as condicionalidades – nas áreas de saúde, educação e assistência social. Com relação às condicionalidades de saúde, as famílias devem: levar as crianças até 7 anos para vacinação e manter atualizado o calendário de vacinação; levar as crianças para pesar, medir e serem examinadas conforme o calendário do Ministério da Saúde; levar as gestantes a participarem do pré-natal; e garantir o acompanhamento de nutrizes.

Sobre as condicionalidades de educação, as famílias devem: matricular crianças e adolescentes de 6 a 17 anos na escola; garantir a freqüência mínima de 85% das crianças de 6 a 15 anos e de 75% dos adolescentes de 16 e 17 anos a cada mês; informar à escola quando o aluno necessitar faltar e explicar o motivo; e informar ao gestor municipal do PBF sempre que algum aluno mudar de escola, para que os técnicos da prefeitura possam continuar acompanhando a freqüência escolar desses alunos.

Nas condicionalidades da assistência social, as famílias devem garantir a freqüência das crianças identificadas em situação de trabalho infantil nas atividades socioeducativas do Programa de Erradicação de Trabalho Infantil (Peti).

Gestão compartilhada

Outro ponto que se destaca no programa é o respeito ao desenho federativo brasileiro a partir de um modelo de gestão compartilhada entre o governo federal, por meio do MDS, e as demais esferas de governo, em particular as prefeituras. Os gestores municipais têm papel fundamental na operacionalização do programa, pois são os responsáveis pela identificação e pelo cadastramento das famílias pobres e extremamente pobres do município, coletando e inserindo os dados no Cadúnico, assim como pela oferta de serviços e pelo acompanhamento das famílias.

Cada prefeitura assinou um termo de adesão com o MDS, que detalha os requisitos técnicos para o funcionamento do programa, incluindo: indicação de pessoa responsável pela gestão local (o gestor municipal); criação de instância de controle social e informação de sua composição; obrigatoriedade de registro e atualização dos dados das famílias pobres do município no Cadúnico; disponibilização de ações e serviços nas áreas de educação, saúde e assistência social para que as famílias cumpram as condicionalidades exigidas pelo programa; acompanhamento das famílias beneficiadas pelo programa, promovendo a melhoria das condições de vida na perspectiva da inclusão social, dentre outras.

O governo federal apóia financeiramente os municípios, para que desempenhem suas funções, por meio de repasses calculados a partir do número de famílias beneficiadas e de um índice do desempenho da gestão municipal (IGD), que considera a qualidade das informações do Cadúnico e o acompanhamento das condicionalidades da saúde e da educação. Em 2007, foram repassados aos municípios R$ 230 milhões para apoio à gestão local do PBF.

O modo de implementação e de gestão do programa – ao empregar procedimentos normatizados e definir as responsabilidades das diferentes esferas de governo – evita a concessão clientelística dos benefícios e reafirma o recebimento como um direito de cidadania das famílias que atendam aos critérios estabelecidos em lei.

 

leia a continuação

1 Em seu formato atual, o Fome Zero articula 52 ações e programas de 12 ministérios. Além do MDS (coordenação), integram a estratégia os seguintes órgãos: Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério da Saúde, Ministério da Educação, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério da Integração Nacional, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Ministério da Fazenda, Casa Civil da Presidência da República, Secretaria-Geral da Presidência da República e Secretaria de Comunicação da Presidência da República.
2 Deve-se ressaltar que essa distinção entre eixos predominantemente intergovernamental e intersetorial é apenas um modelo para ilustração das características principais dos sistemas. Portanto, tanto o Suas envolve ações intersetoriais como o Sisan envolve ações com diferentes esferas de governo.
3 No momento de sua criação, o PBF abrangeu a gestão e a execução de quatro programas de transferência de renda anteriormente existentes, chamados de Programas Remanescentes: Programa Bolsa Escola, Programa Cartão Alimentação, Programa Bolsa Alimentação e Programa Auxílio Gás. A partir da criação do PBF, não foram mais concedidos benefícios no âmbito desses programas, e seus titulares passaram a ser migrados para o PBF. Atualmente, para as 11,1 milhões de famílias do PBF, há menos de 290 mil benefícios de Programas Remanescentes (dados de maio de 2008).
4 O programa foi instituído pela Medida Provisória 132, de 20 de outubro de 2003, posteriormente convertida na Lei 10.836, de 9 de janeiro de 2004. A regulamentação atual do programa inclui ainda cinco decretos presidenciais e mais de 20 portarias ministeriais ou interministeriais.

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