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Divagações Sobre a Paixão de Ler e Escrever

Aída BEZERRA

09 / 1996

De início, duas idéias me vêm à mente quando tento distinguir, para relacionar, o ato da leitura do gesto da escrita: a idéia de movimento e a idéia de permanência. É como se a leitura tivesse mais a ver com a impulsão provocada pelo desafio de desvelar o desconhecido e a escrita estivesse mais vinculada à reflexão, para poder decantar, filtrar o pensamento e aperfeiçoá-lo. Em termos diferenciados, ambos supõem uma intervenção pessoal, uma vontade.

A impulsão da leitura está impregnada pelo desafio de decifrar, descobrir, descobrir-se, confrontar-se, decobrir o outro que escreve; compreender os fenômenos, as leis, as virtudes; detectar o passado, o presente e o futuro; flagrar os acontecimentos. E, a partir daí, articular uma síntese, interiorizar a informação, subjetivar.

Escrever, no entanto, já pressupõe uma decisão de registrar, revelar seu pensamento, arriscar seu ponto de vista, seu sentimento, de modo que ele possa se tornar visível e até público. Assim, você cria condições para que a sua palavra ganhe permanência.

Aí, tudo recomeça porque você abre a possibilidade de se re-ler e se re-lendo você também se move internamente, se conhece mais e se re-escreve. E, no fim, tudo faz parte de um grande movimento com momentos de impulsão e momentos de reflexão que vão se modificando mutuamente, ampliando a sua sensibilidade e oferecendo mais condições de apreender o que se passa.

Isso para dizer que não acreditamos que uma pessoa não se sinta atingida pelo desejo ou pela carência de ler; ou pela convocação de escrever, escrever-se, de se dizer para o outro.

É preciso continuar a descobrir, conhecer e conhecer-se mais, para melhor organizar os nossos espaços e cuidar para que as relações que nos regem correspondam à nossa dignidade e administrem a nossa liberdade de crescer.

Costumamos dizer que a modernidade é letrada e que é preciso dominar o instrumental da leitura e da escrita. Caso contrário, o poder de gerir os nossos próprios destinos fica fragilizado. Será isso? De certa maneira sim e de outra não. Com certeza, não é a letra que gera a virtude da amizade entre os homens. Senão, os que detêm a maior parcela de poder, e parece que são todos eles alfabetizados,teriam proporcionado outra qualidade de relações na sociedade. Então, para quê ler e escrever se isso não traz, conseqüentemente, nem virtude nem sabedoria? E por que essas atividades, que não nasceram com o gênero humano, nos apaixonam tanto?

Primeiro, somos levados a relativizar as possibilidades da leitura e da escrita.

Ao contrário do uso que muito se fez da escrita, ela abre a possibilidade de uma leitura individual e crítica que amplia o conhecimento circulante. Pensar que o conhecimento está preso ao registro é admitir que todo conhecimento é produzido pelo autor e que nós somos meros consumidores do produto de inteligências super dotadas.

Acreditamos que o aluno faz o seu primieiro passo na direção de superar esse obstáculo, criado pela civilização letrada, quando ele participa da autoria do seu próprio livro de leitura. A importância de descobrir que o autor não é necessariamente o outro, e que ele pode criar leituras, é uma vivência de resultados políticos mais profundos. O exercício da leitura e da escrita esconde um enorme espaço de luta pela liberdade.

No plano cultural, isso ainda é mais mobilizante. Hoje, qual é a força política de um povo que não conseguiu registrar a sua memória?E se essa base cultural que estrutura o seu pensamento e expressa os seus sonhos for esmagada? Lutar por quê se os seus desejos foram junto e a sua identidade perdeu as referências?

Não precisamos ir longe para sentir a baixa estima, a fragilização, dos desenraizados. Basta lembrar os nosso alunos migrantes. Nessa transição cultural, a leitura e a escrita têm um papel indispensável em termos de resgate e de reestruturação das identidades. Não é compactuando com a baixa estima e com os preconceitos que podemos ajudar a construir cidadãos ativos.

Através da criação de novos espaços de expressão e intervenção - pela leitura e pela escrita (novos leitores e novos escritores)-, talvez estejamos contribuindo para uma outra qualidade de sociedade. Diferente dessa engrenagem que se apoia numa matriz disciplinar de educação e nos condiciona a viver como cidadãos "úteis e dóceis".

Finalmente, o lado mais apaixonante da leitura e da escrita é o que elas podem significar em termos da diminuição das distâncias entre os diferentes. Enquanto instrumento de comunicação é capaz de agilizar a construção de eleos de solidariedade; estimular a expressão e o reconhecimento das diversidades que enriquecem a convivência humana.

Sem falar na dimensão da beleza criada pelos escritores (os poetas, os literatos, os dramaturgos etc)e recriada pelos seus intérpretes que lhe acrescentam mais vida com as suas entonações e versões. Esse lastro de expressão não é só um enfeite, um devaneio da fantasia de alguns, mas é uma forma de afirmação cultural. Quando a produção artística entra em crise é um sinal de que a sociedade está em crise.

Seja dando asas ao nosso lado criador, ou à nossa inquietação de desvelar o desconhecido, ou à vontade de conversar/debater/aprender com o outro, ou de responder pelos nossos destinos, hoje, não podemos dispensar os recursos da leitura e da escrita para manifestar as nossas escolhas. E aí é que a questão se torna grave: nem todos têm acesso a esses meios. O que preocupa, além da injustiça flagrante com essas pessoas, é o que a sociedade inteira está perdendo com o silêncio dos analfabetos.

Palabras claves

educación popular, educación


, Brasil, Rio de Janeiro

Notas

Através do insentivo à produção e leitura de fichas de capitalização de experiências pedagógicas, a rede BAM pretende favorecer a um processo de formação continuada junto a coletivos de educadores de jovens e adultos (hoje, existentes nos estados do Rio de Janeiro e Pernambuco). Está apoiado numa metodologia que valoriza a autoria e promove a interação entre educadores de diferentes contextos.

Fuente

Texto original

SAPÉ (Serviços de Apoio à Pesquisa em Educaçào) - Rua Evaristo da Veiga, 16 SL 1601, CEP 20031-040 Rio de Janeiro/RJ, BRESIL - Tel 19 55 21 220 45 80 - Fax 55 21 220 16 16 - Brasil - sape (@) alternex.com.br

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