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A formação de quadros políticos: elaboração teórica, experiências e atualidade

Adelar João Pizetta

03 / 2010

Introdução

Ao término deste seminário, podemos afirmar que ele foi de uma riqueza extraordinária. As exposições, as reflexões teóricas, o intercâmbio de experiências, os desafios, as angústias, as esperanças, o respeito e a humildade entre todos, nos instigam a construir a luta com mais sabedoria.

Em nome do MST, quero reconhecer a importância da participação de todos e agradecer por esta oportunidade. Aprendemos muito com os expositores, com todos os participantes e acertamos em inaugurar nossa Escola de Formação Política com um evento dessa envergadura. Por isso, nosso muito obrigado a todos/as.

Certamente, cada formador, cada dirigente fez suas reflexões individuais e coletivas, suas anotações pessoais. Iniciamos o seminário com algumas certezas e muitas inquietações. Provavelmente continuaremos nossa práxis com muitas e novas certezas e convicções, mas também com muitas e novas inquietações, como partes de um processo dinâmico e aberto de formação e de lutas dos camponeses.

O que tentarei fazer aqui, não se trata de uma síntese e nem de enumerar conclusões tiradas no seminário. Acredito que é praticamente impossível resumir algo tão grandioso, que foram as discussões desses dias. Por isso, vou fazer alguns comentários, reafirmar alguns aspectos, algumas reflexões que no decorrer do seminário foram aparecendo e que nós juntamos como forma pedagógica de irmos acumulando na elaboração.

A partir dessas idéias, e dos elementos abordados nesses dias, podemos todos, continuar nossos estudos, nossas reflexões e nossa elaboração sobre a Formação de Quadros Políticos, extraindo lições das experiências históricas.

Vou dividir esses comentários em três tópicos: 1) a formação como parte da luta de classes – como uma necessidade da classe trabalhadora; 2) o caráter e a natureza da formação que pretendemos e estamos desenvolvendo; 3) o que-fazer pedagógico do quadro e do militante em sua ação cotidiana.

1. A formação como parte da luta de classes

a) Existe uma realidade concreta resultante dos processos históricos e das contradições endógenas e exógenas de cada país. Essa realidade influi e determina a necessidade da formação no interior dos movimentos e da classe trabalhadora. Dessa maneira, a formação deve contribuir para o “desvelamento”, para a interpretação e para o conhecimento dessa realidade que está além das aparências.

b) Mas, para que o processo de formação tenha êxito, não basta o conhecimento da realidade. É necessário ir transformando a realidade, através das ações concretas. A formação tem um sentido transformador, das pessoas e das realidades. Ela só tem sentido se ajudar a organizar o povo, pois a força da mudança está no nível de consciência, no grau de organização e na disposição de luta das massas. Esses fatores e requisitos dependem em grande medida da qualificação das lideranças, militantes e dirigentes que formam, constroem a luta e a organização. A tarefa principal da formação é motivar para que os silenciados saiam de seu silêncio, que os dominados aceitem sair da dominação através da luta.

c) Por isso, o movimento das massas determina o ritmo e a necessidade da formação. Ou seja, quando estamos no ascenso do movimento de massas, o terreno da formação é fértil. O povo aprende muito nos períodos revolucionários porque consegue desmascarar essa realidade. Do contrário, no descenso do movimento de massas, os movimentos vão se esquecendo da formação, do trabalho ideológico. Parece que uma apatia toma conta dos movimentos e dos militantes. Como formar quadros no descenso do movimento de massas?

d) A formação, independente dos níveis em que é desenvolvida, mas fundamentalmente a de quadros, deve estar vinculada a um projeto. Ou seja, se o movimento ou organização não se preocupa em elaborar, em construir o projeto, também não forma quadros. Em outras palavras, o programa é o principal instrumento de formação revolucionária.

e) O processo de formação de quadros deve contribuir para formar/construir força social, força política. É um requisito fundamental para acumular força. E força social é povo organizado; força política é povo cada vez mais consciente e organizado. Por isso, a formação deve estar voltada para preparar organizadores do povo. Não se pode resolver a pobreza, suas causas e conseqüências sem dar poder ao povo. E dar poder ao povo é dar conhecimento e ampliar sua participação na vida política, social, cultural da sociedade.

f) Uma das tarefas principais da formação é a de eliminar os resquícios da ideologia burguesa que está alojada na consciência dos militantes e dirigentes, que está alojada na consciência da organização, principalmente dos camponeses. É preciso ter convicção, de que não existe meia ideologia: ou é burguesa ou é proletária.

g) A luta dos trabalhadores é uma importante escola de formação. A classe aprende na luta, fazendo a luta, mas é na teoria que se sistematiza o aprendizado, que acumula as lições e aprendizagens. É a teoria que sistematiza o conhecimento. Por isso, é necessário sempre vincular os dois aspectos: teóricos e práticos.

h) Quem não forma quadros dificilmente atinge seus objetivos estratégicos na revolução. A organização não vai longe e, se vai, possivelmente é porque se desviou do caminho, já não se preocupa em fazer a revolução.

2. O caráter e a natureza da formação

a) É preciso entender a formação como conceito de política. Ela, a formação, prepara, elabora a teoria de que a luta é para transformar o impossível no possível. É a arte de fazer possível o que parece impossível hoje. Não como meros desejos, mas como forma de construir forças possíveis. Por isso, ela não pode ser nunca dogmática, nem espontaneísta/anarquista. Deve ser preparada e implementada de forma dialética, articulando os diferentes saberes e níveis, com princípios, valores que colaboram na construção do projeto político com objetivos estratégicos.

b) A formação deve articular a experiência pessoal com a experiência da classe trabalhadora – a história da luta de classes com a história universal. Nesse sentido, o aprendizado é permanente e coletivo. A parte deve estar relacionada ao todo, o cotidiano articulado com os grandes horizontes. Ela deve ter um caráter histórico de conjunto, de totalidade dialética.

c) O conhecimento vem do estudo da teoria, que sistematiza explicações com a reflexão sobre a prática social. Sem prática política e organizativa ninguém se desenvolve politicamente, nenhum militante cresce e chega a ser quadro político. Nesse sentido, os quadros surgem dos movimentos e da luta política. Eles são frutos desse processo conflitivo e não o contrário, mas é preciso observar que aqui existe uma relação permanente e dialética.

d) Em relação ao método, ou melhor, aos métodos de formação, eles devem ser criativos, coletivos, alegres, abertos, que possibilitem a participação em vez do autoritarismo. Deve ser uma práxis prazerosa, inovadora, pois, se nos fazemos ao fazer, o nosso fazer tem que ser diferente, tem que ser revolucionário. Se no passado se dizia que o fim justifica os meios, não está de todo equivocado, mas é preciso ir além: só chegaremos a fins justos com meios justos. A revolução tem como fim a democracia, e esta deve contribuir para a construção do reino da liberdade. Não podemos querer ser como Che no discurso se na prática nos assemelhamos mais com os autoritários. Revolução e democracia são aspectos indissociáveis.

e) A mística é o mecanismo de celebrar, de cultivar o projeto político, por intermédio dos símbolos, da cultura, da memória, dos sonhos. A mística ensina a cultivar o projeto; por isso, não existe projeto sem mística como não existe mística sem projeto, sem causa. A massa deve ser contagiada pela mística para que possa carregar em seus braços a causa da revolução, da liberdade.

f) As atividades da formação – teoria e prática – precisam levar em consideração os aspectos da razão e da emoção. É preciso aprender a falar ao coração para que o conhecimento chegue até a consciência. Por vezes o caminho não é direto, deve passar pelo coração, pela emoção para se tornar consciência.

g) É preciso valorizar e respeitar a cultura, a afetividade, o querer-se bem. Os valores humanistas e socialistas não são frios. Precisam ter vida em nossas ações, em nosso comportamento, para que possam ser melhor explicitados e possam ir construindo referências de formação.

h) O trabalho de base é o principal instrumento pedagógico no processo de formação das massas. A inserção e o exemplo dos dirigentes e formadores são argumentos fortes para a formação da consciência e mobilizadores da organicidade.

i) O processo de formação da e com a juventude é estratégica. Falham os que não planejam e não desenvolvem a formação da juventude, com uma nova ética, novos valores, nova disciplina, com espírito de sacrifício. É preciso encontrar formas de envolver, motivar e incentivar a participação da juventude nos processos de luta, organização e formação.

3. O “que-fazer pedagógico” do quadro

a) Como já mencionamos anteriormente, só conquistaremos a confiança, a adesão das massas, se formos exemplos de comportamento ético e moral. Se formos coerentes em todos os aspectos. Isso é um tanto difícil num período de refluxo do movimento de massas. O comportamento pessoal é um dos melhores argumentos, ensinamentos no processo de formação.

b) Necessariamente, o processo de formação deve ser pensado e desenvolvido com muita paixão. Muitos vêem a luta como um sacrifício a ser dado no presente em nome da liberdade futura. Mas a luta não pode ser um sacrifício a ser dado para o futuro. A luta deve ser a nossa liberdade. É um processo de construção e conquista da liberdade. As pessoas precisam se gostar, precisam conspirar, isto é, ter a mesma inspiração para lutar.

c) Possivelmente a batalha mais difícil é a que devemos travar contra nós mesmos. Combater os desvios que herdamos da ideologia burguesa: individualismo, egoísmo, consumismo etc., que estão alojados em nossas consciências e que utilizam nosso comportamento para se manifestar quando as oportunidades existem. A vigilância, a crítica e autocrítica são indispensáveis. É preciso prevenir, ter cuidado com os quadros, com a massa também.

d) A prática da formação é a arte de organizar o povo. Quem não organiza não forma e a formação que não acumula do ponto de vista orgânico não é formação. Por isso, precisamos estar vigilantes para entender e combater os desvios e deficiências de nossas experiências de formação: dogmatismo, doutrinarismo, autoritarismo, paternalismo, separação do conteúdo da vida real etc.

e) Não há quadros revolucionários sem cultura, sem conhecimento. A cultura é um patrimônio coletivo de todas as práticas e hábitos dos povos. Conhecê-la e produzi-la é tarefa dos quadros.

f) Nosso método deve ser o de convencer, aprendendo com o povo, sem impor, sem discriminar, sem menosprezar saberes e culturas. A humildade é requisito fundamental do dirigente no processo de formação e organização do povo.

g) Uma das principais tarefas do quadro no meio do povo é o de analisar, interpretar com ele a causa dos seus problemas e coletivamente, através da organização e da luta consciente, buscar alternativas, soluções para os problemas. Só o povo é protagonista de sua própria emancipação.

A título de conclusão

Vejam portanto, que não se trata de tirar conclusões. Tudo é parte de um processo que estamos construindo de forma coletiva, porque tanto os acertos quanto as deficiências são de grupos, organizações, movimentos que fazem a história.

No entanto, é necessário reafirmar princípios, concepções e convicções de que o trabalho de formação política é estratégico. Nenhum movimento ou organização triunfa se não formar adequadamente seus quadros políticos. A revolução deve ser entendida como um processo dinâmico, criativo, profundo, capaz de transformar as estruturas sociais e as pessoas que nela vivem. Por isso, ela é contínua, se dá dentro da própria revolução. Os povos que se descuidaram desses aspectos fracassaram e a história mostrou que os retrocessos também podem ocupar um lugar.

Assim, a palavra de ordem que fica neste momento é: preparar-se. Preparar-se em todos os sentidos, com todas as forças para os embates na luta de classes. Dessa maneira, ninguém pode dar o que não tem. Por isso, poderíamos enumerar uma série de quesitos que fazem parte desse processo de formação e de trabalho político com o povo:

– Só daremos ternura se formos ternos.

– Só daremos esperança se continuarmos aguerridos e persistentes.

– Só transmitiremos convicção se nossa práxis for convicta, firme.

– Só seremos formadores se também estivermos dispostos a sermos formados permanentemente através da luta e da organização, do estudo.

– Só seremos quadros se não perdermos a capacidade de aprender, de estudar, de ouvir o povo e de lutar com ele.

Que todos tenhamos êxito nessa difícil mas prazerosa tarefa de organizar o povo, preparar as lutas e formar quadros para levarmos adiante o processo da revolução, da construção de uma sociedade de homens e mulheres livres.

O mestre Florestan Fernandes nos motiva a sonhar, a estudar, a lutar, a organizar os trabalhadores. Que nossa Escola possa cumprir esse papel e tornar imortal o legado e a vida do Florestan, por intermédio do estudo e das lutas dos Trabalhadores Sem Terra e do povo brasileiro.

Mots-clés

formation, organisation populaire, mouvement social


, Brésil

dossier

Mouvement des travailleurs Sans-Terre

Notes

Em janeiro de 2005 foi inaugurada a Escola Nacional Florestan Fernandes – ENFF. Concebida como uma Universidade Popular dos movimentos sociais, ela é resultado das práticas e experiências de formação política desenvolvidas pelo MST deste sua origem. A ENFF foi inaugurada com a realização de um Seminário Internacional sobre a Política de Formação de Quadros que contou com a presença de representantes de vários países e organizações sociais.

O texto que segue, publicado em 2006 pela ENFF no número 1 de seus Caderos de Estudos da ENFF, são os apontamentos sobre o conjunto das discussões, análises e trocas de experiências feitas durante o Seminário, realizado entre os dias 20 e 22 de janeiro de 2005. Este texto foi organizado por Adelar João Pizetta, membro do setor de Formação do MST e do Coletivo de Direção da ENFF. Ele apresenta os principais aspectos da concepção de formação política desenvolvida pelo MST, sua relação com a organização social, com o desenvolvimento de um projeto político e os meios para coloca-lo em prática.

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