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Soja orgânica

Luc Vankrunkelsven

02 / 2004

No momento em que Oxfam-Lojas Mundiais lançam o ‘leite de soja’ de Capanema (PR), explodem os preços de soja no mercado mundial.

Diversidade é a chave para a porta do futuro

Mesmo que eu tenha uma série de questionamentos em relação ao rolo compressor da soja, quero fazer uma abordagem mais concreta da soja orgânica. Soja orgânica (‘biosoja’) é, com certeza, uma resposta parcial ao problema ecológico, do qual falei numa crônica anterior. Como herança da Revolução Verde, há – nos três estados mais ao sul do Brasil (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná) – 213 mil agricultores dos cerca de 900 mil da agricultura familiar, e que cultivam soja. Um grande número destes agricultores, em virtude da ‘modernização’, perdeu a agrobiodiversidade típica em suas propriedades. Por isso, é interessante observar que – desde meados da década de 90 – muitos agricultores optaram pelo cultivo de soja orgânica. Principalmente o Paraná é um ponto de referência. Seu número pulou de 450 produtores em 1996 para 800 em 1997, 1200 em 1998, 2310 em 1999. Em 2000, já eram 3077 produtores de soja orgânica, dos 10 mil agricultores orgânicos do Paraná. Os agricultores no Rio Grande do Sul, até recentemente, estavam conscientes do elevado grau de monocultura e vêem a soja orgânica como um passo intermediário no ‘retorno a uma maior biodiversidade’. Uma vez que a maioria dos agricultores-familiares-com-soja-orgânica-no-Paraná possui terras marginais, eles preservaram sim sua agrobiodiversidade. Por causa do solo rochoso e do relevo acidentado, a mecanização geralmente não é possível. No que diz respeito à agricultura agroecológica no Paraná, a diversidade envolve principalmente: (em ordem de tonelagem) soja, cana-de-açúcar, frutas, verduras, milho, arroz, trigo; (com peso aproximadamente igual) erva-mate (chá), mandioca, feijão, plantas medicinais, café. É bonito de ver como, em muitas cidades e vilas, são realizadas feiras orgânicas semanais. Para grande satisfação dos produtores e consumidores.

Preço do dólar. Repetição de 1973?

A rentabilidade da soja orgânica é determinada pelos preços ditados no mercado internacional e a cotação do ‘dólar’ em relação ao ‘real’ pelo mercado interno. Assim, o valor elevado do dólar e a desvalorização do real provocam um grande aumento na soja convencional, mas certamente também na soja orgânica. É que, uma vez feita a conversão para o sistema orgânico, o agricultor está livre dos adubos químicos cujo preço também é cotado em dólares. Este retrato de euforia alterou-se repentinamente entre 2003 até o início de 2004 e, agora, o setor encontra-se em crise. O ano de 2003 foi o primeiro em que o número de produtores de soja orgânica no Paraná estagnou. Esta afirmativa aplica-se, certamente, à região de Capanema, no oeste do estado, com suas excelentes terras, onde a soja orgânica aumentava, anualmente, em 15% e onde, agora, 1600 agricultores cultivam soja orgânica. Devido à frustração de safra nos Estados Unidos da América e pela demanda crescente no mercado mundial, o preço da soja convencional e transgênica explodiu no mercado internacional. Durante muito tempo os agricultores orgânicos recebiam US$ 15 por saca de 60 quilos, enquanto a soja convencional rendia US$ 9 por saca. No momento, a saca de soja convencional ou transgênica é cotada entre US$ 15 e US$ 16, enquanto os agricultores orgânicos continuam recebendo os mesmos US$ 15. Este pico nos preço é, segundo minha avaliação, comparável com o que ocorreu em 1973: uma enchente na região do Mississipi, nos EUA, e a repentina demanda de grãos da União Soviética provocaram a grande expansão no cultivo de soja no sul do Brasil  (1).

‘1973’ representa o que é chamado de ‘o grande roubo de grãos’: durante um curto período, os preços foram cotados lá em cima, mas o agricultor não teve proveito disso. Cargill & Cia., estes sim, embolsaram lucros astronômicos! Mesmo assim, atualmente o clima é de pânico. Se a situação perdurar, em dois anos ninguém mais cultivará soja orgânica. Isto já está ocorrendo no Rio Grande do Sul, onde a soja orgânica tornou-se praticamente inviável. Por quê? 90% da soja é transgênica. Além disso, os jovens fugiram do meio rural e um casal mais idoso que cultiva soja orgânica não consegue realizar, sozinho, todo o trabalho braçal. Lá, a mecanização geralmente era possível. Por fim, devido à contaminação de quase 100% das lavouras com soja transgênica, tornou-se praticamente impossível cultivar soja convencional ou soja orgânica. Assim, nos últimos anos, estes casais passaram a cultivar soja transgênica também!

Felizmente, foi exatamente neste momento que tiveram início vários projetos visando estabelecer um diálogo com os agricultores sobre a relação entre o comércio mundial (OMC) e a explosão da soja, cenários em longo prazo (Flandres/Holanda-Brasil, lançamento do ‘leite de soja orgânica’ de Capanema por Oxfam-Lojas Mundiais,…)  (2).

Perspectiva histórica e visão dos mecanismos internacionais são muito importantes nos dias de hoje, para que não sejamos arrastados pelo dólar e pela moda do dia. Caso contrário, todo potencial de agricultura orgânica será perdido enquanto o dólar realiza seu trabalho arrasador. No momento em que se colhe a safra de soja no Paraná, outros ainda estão plantando soja no início de fevereiro de 2004 (!)… por causa daquela explosão de preço. Chegou a vez dos últimos metros quadrados e das demais culturas!

Agricultura orgânica em grande escala?

Qual será a reação no cerrado (região de savanas no Brasil central, onde a realidade da soja – em escala muito maior – é bem diferente) é uma outra questão. Até o ano ‘divisor de águas’ de 1973, todas as sementes de soja vinham dos EUA. Estas não eram adaptadas ao clima tropical mais ao norte do Brasil: cerrado e região amazônica. A partir de 1975, a EMBRAPA  (3) passou a desenvolver, febrilmente, variedades de soja adaptadas ao clima tropical. Nos últimos anos a empresa colaborou – oficiosamente – com o fornecimento de sementes transgênicas no Rio Grande do Sul. Graças a estas sementes ‘brasileiras’, a expansão da soja pôde continuar em direção ao norte. O Mato Grosso é, atualmente, dominado pelo maior sojicultor do mundo: Blairo Maggi, com 130 mil hectares. Este homem tomou posse no dia 1o de janeiro de 2003 como governador do estado e, em ritmo acelerado, está transformando o Mato Grosso no ‘paraíso da soja’. Ainda em 2000, ele ameaçava ir plantar soja na África se os movimentos ambientais e da agricultura familiar lhe criassem muitos problemas. Não é de se estranhar, portanto, que naquela região surgiu também o cultivo de soja orgânica em larga escala. É que naquele mesmo estado se encontra o maior produtor de soja orgânica do mundo (2 mil hectares) com cerca de 5 mil toneladas de soja orgânica. No estado de Goiás, um produtor iniciou, em 2001, com 110 hectares. No Mato Grosso, as empresas conseguiram aumentar a produtividade de soja orgânica, partindo de 1.717 kg/ha em 1998, 1.821 kg/ha em 1999 e 1.895 kg/ha em 2000 para 2.400 kg/ha em 2001. Um aumento, portanto, de 39,7% entre 1998 e 2001. Para comparação: a produtividade média da soja convencional nos EUA é 2.560 kg/ha; no Brasil, 2.610 kg/ha; na Argentina, 2640 kg/ha; na China, 1.690 kg/ha e no Paraguai, 2.965 kg/ha.

Agroecologia: a saída para a Agricultura Familiar?

A dúvida agora é o que irá acontecer com a soja orgânica no Brasil. Ela será integralmente recuperada pela agricultura em grande escala ou continuará sendo a chance de sobrevivência da agricultura familiar social e ecologicamente comprometida nas pequenas propriedades? E… quanto tempo durará este pico no preço e quais serão as conseqüências para o cultivo sustentável de soja? ‘Sustentável’, ‘agroecologia’, não no sentido de ‘sem agroquímicos’, mas uma forma de agricultura que é social, econômica, ecológica e culturalmente sustentável. Ou o ‘sustentável’ continuará sendo um slogan isolado para ganhar muito dinheiro?

Ou será que a seguinte notícia pode significar um ponto de luz: num futuro próximo os agricultores brasileiros que cultivam soja transgênica terão que desembolsar US$ 0,60/saca de 60 kg a título de royalties para Monsanto. Igual a seus colegas norte-americanos. Graças a sua posição de monopólio, a multinacional de sementes-química-tecnologia genética Monsanto está enriquecendo sem esforço, enquanto os agricultores que plantam soja transgênica, após poucos anos, têm seu rendimento reduzido.

Será que a soja orgânica conseguirá resistir à euforia da soja transgênica? Nos próximos meses, as Lojas Mundiais, com seu ‘leite de soja’ de Capanema, terão um grande desafio.

1 Você poderá ler mais sobre o ano ‘divisor de águas’ de 1973 em: Vankrunkelsven, Luc. ‘En toch…een andere wereld is mogelijk. Porto Alegre: de basis in beweging.’ [Ainda assim…um outro mundo é possível. Porto Alegre: a base do movimento], Dabar/Luyten, Heeswijk, 2002.
2 Para os diversos projetos envolvendo soja, entre em contato com Wervel.
3 EMBRAPA, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (www.embrapa.gov.br/), é também uma casa com muitos setores conflitantes. Isto é inevitável, já que o governo brasileiro quer manter, lado a lado, a agricultura exportadora empresarial (patronal), com uso intensivo de capital e excludente de mão-de-obra para exportação e a agricultura familiar comprometida social e ecologicamente e geradora de trabalho. Na minha opinião, isto não se sustenta num longo prazo, já que a agricultura exportadora se unirá ao grande capital e, no final, vencerá a batalha. Neste contexto conflitante, a EMBRAPA – Rio Grande do Sul convidou, em 2000, o professor Erik Goewie (de Wageningen, Holanda) para acompanhar o desenvolvimento da agricultura orgânica na região de Pelotas.

Palavras-chave

soja, agricultura de exportação, agricultura orgânica


, Brasil

dossiê

Navios que se cruzam na calada da noite: soja sobre o oceano

Notas

Esse texto foi tirado do livro « Navios que se cruzam na calada da noite : soja sobre o oceano » de Luc Vankrunkelsven. Editado pela editora Grafica Popular - CEFURIA en 2006.

Fetraf (Fédération des travailleurs de l’agriculture familiale) - Rua das Acácias, 318-D, Chapecó, SC, BRASIL 89814-230 - Telefone: 49-3329-3340/3329-8987 - Fax: 49-3329-3340 - Brasil - www.fetrafsul.org.br - fetrafsul (@) fetrafsul.org.br

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