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diálogos, propuestas, historias para uma cidadania mundial

Olimpíadas de Beijing 2008, China

Maria Cristina HARRIS

2010

Os Jogos Olímpicos de 2008 significaram grandes mudanças para a cidade de Beijing e para seus habitantes. A cidade precisou “vestir-se” para um megaevento internacional, sugerindo assim modernização, embelezamento e construções massivas, todos os aspectos para fazê-la atrativa para o mundo. Este artigo focalizará no distrito histórico de Qianmen em Beijing, uma área comercial e residencial, localizada no centro da cidade, desde 1600, e nos efeitos das Olimpíadas que se refletem não apenas nos aspectos físicos do lugar, mas também em seus habitantes. A perspectiva do direito à cidade será integrada à análise deste caso em função de como foi representada pelos cidadãos e também devido às muitas violações cometidas pelos promotores imobiliários e oficiais do governo durante a renovação de Qianmen.

Em 2002, a Comissão Municipal de Planejamento de Beijing decretou um plano de conservação para proteger suas 25 áreas históricas na Cidade Velha de Beijing, sendo que uma delas é Qianmen. O plano de conservação delineou alguns princípios importantes:

  • Preservar a paisagem urbana tradicional e hutongs (pequenas ruelas delineadas de acordo com pátios das casas tradicionais);

  • Assegurar a autenticidade do patrimônio preservado;

  • Implementar a preservação usando um método gradativo e calculado;

  • Melhorar a infraestrutura e as condições de vida dos habitantes locais;

  • Encorajar a participação pública.

O plano de conservação também considerou que renovações não devem resultar de demolições em grande escala e deve-se dar especial atenção para a continuidade histórica e arquitetura histórica de valor, os hutongs, sendo que árvores antigas também devem ser preservadas. Essas diretrizes integramalgumas das premissas básicas sobre direito à cidade a partir da valorização da participação local e a consideração de melhorias nas condições de vida dos habitantes locais como prioridade. Como aponta David Harvey, o direito à cidade envolve o direito ativo dos cidadãos de fazer uma cidade diferente e a capacidade de estruturá-la de acordo com suas necessidades. No entanto, com as Olimpíadas no caminho, o governo de Beijing enfrentou-se com uma situação difícil na qual seguindo tais diretrizes teria posto limitações aos planos de renovação para transformar Qianmen numa versão moderna do velho, atrativa aos turistas, ampla para a passagem dos maratonistas olímpicos e interessante para pessoas que pudessem pagar pelas novas e elegantes casas de Qianmen.

Em 2005, o governo de Beijing começa a oferecer compensações aos habitantes de Qianmen em função das casas que planejava demolir. No entanto, as compensações financeiras não davam conta de aspectos adicionais e específicos de cada casa em particular, de seus valores naturalmente adquiridos, sendo que, por conseqüência, os valores oferecidos eram muito menores do que o valor real das casas (COHRE, 2008). No caso de recusar a compensação seriam submetidos a um processo de negociação com o governo no qual as casas eram avaliadas individualmente. Frequentemente as taxas de compensação aumentavam após a negociação, mas ainda assim eram insuficientes para proporcionar aos habitantes a mesma qualidade de vida de Qianmen em outro lugar da cidade. Constantemente atormentados pelos promotores imobiliários e pelas tentativas de construtoras de retirá-los, muitos foram conduzidos, eventualmente, a aceitar valores baixos de compensação, deixando pra trás seu lugar. A resistência tornouse muito mais que um inconveniente no cotidiano de muitas famílias, induzindoos a aceitar de mau-grado compensações inadequadas.

Outros, no entanto, permaneceram com a esperança de reivindicar seu direito à cidade e ao espaço urbano de Qianmen, onde viveram por décadas. Na primavera de 2006, Sun Ruoyu, cujo negócio da família estava em Qianmen desde 1840, começou a receber ordens de despejo enviadas pelo governo segundo as quais a família deveria deixar sua casa em nome da “limpeza” das favelas e que o município tinha o direito de começar a demolir a partir de certa data. O município ofereceu 1.6 milhões de Yuans pela casa (aproximadamente 200.000 dólares), muito pouco em vista do que se tornaria um dos distritos mais caros da cidade e não o bastante para dar à família a oportunidade de permanecer em Qianmen através da compra das casas recém renovadas ou construídas. A família recusou a compensação porque queriam pertencer à renovação de Qianmen e não serem empurrados ao subúrbio da cidade. Apesar da resistência da família, a cidade não estava disposta a aceitar sua presença. Era mais importante abrir espaço para as multinacionais, novos “habitantes” de Qianmen, que incluíam Rolex, Prada, Starbucks, Nike, Adidas e Apple, do que respeitar os próprios cidadãos de Beijing e o seu direito a permanecer no lugar onde viveram poranos. Contudo, em julho de 2008, um mês antes do início das Olimpíadas, Sun Ruoyu ainda estava lá. Seu restaurante estava em pé, embora algo dilapidado, mas estava coberto por um plástico verde a fim de mantê-lo fora de vista e da percepção de milhares de espectadores das Olimpíadas, que estariam passando por aí durante todo o mês de agosto.

Muitos dos habitantes de Qianmen que foram despejados afrontaram-se com possibilidades limitadas quando decidiam aonde iriam se estabelecer. Assim, muitos habitantes se mudaram para a periferia da cidade, além do Quinto Anel Viário, uma via expressa que circunda a cidade e está localizada a 10 km do centro. No caso de uma família, os dois adultos da casa levam um total de quatro horas para ir e voltar do seu trabalho todos os dias, usando o transporte público. Antes, quando viviam em Qianmen, levavam somente 5 minutos de bicicleta. A qualidade educacional oferecida na periferia é muito menor se comparada com aquela que a criança da família recebia no centro da cidade. Por esse motivo, a filha do casal permaneceu na mesma escola no centro de Beijing, implicando que um dos pais tivesse que acompanhá-la para a escola todos os dias, deixando a casa as 5 da manhã para chegar a tempo ao início das aulas às 7 horas. Esta é a realidade cotidiana de muitas famílias despejadas de Qianmen. Para os idosos o fato também implicou em esforço redobrado para manter o acesso fácil aos médicos e as instalações do serviço de saúde que os assistiu por anos no centro da cidade. Isso significa, mais uma vez, longas distâncias a serem percorridas no momento em que tenham preocupações médicas.

Os resultados das ordens de despejo variaram para os habitantes de Qianmen. Alguns experimentaram tormentos, outros aceitaram a compensação financeira depois de algum tempo e uma minoria conseguiu resistir e permanecer. No seu empenho em ficar no seu lugar de residência, os habitantes que enfrentaram, aceitaram e/ou resistiram à desapropriação tentaram assegurar seu direito à cidade. O direito à cidade consiste no envolvimento dos cidadãos nas decisões que afetam o lugar no qual habitam e a oportunidade de participar da transformação dos espaços urbanos onde vivem. Quando a renovação urbana chegou a Qianmen, as diretrizes que haviam sido delineadas para proteger a área como patrimônio (acima mencionadas) foram praticamente ignoradas pela administração municipal e promotores imobiliários. Essas diretrizes, que valorizam aspectos do direito à cidade como melhorias nas condições de vida dos habitantes locais e estimulam a participação das decisões que afetam seu bairro, eram ignoradas e descumpridas enquanto a modernização e o embelezamento tomavam precedente prioritário para as Olimpíadas.

Além disso, quando o direito à cidade é respeitado, deve-se permitir aos cidadãos permanecer na cidade e não ser empurrados para a periferia da mesma. Os despejos de Qianmen violaram o direito dos cidadãos de permanecer nacidade quando não era sua própria escolha deixá-la. São muitos os inconvenientes enfrentados pelos habitantes que agora vivem além do Quinto Anel Rodoviário de Beijing. O acesso a serviços de saúde, educação de qualidade e áreas comerciais foi reduzido, assim como sua qualidade de vida em geral, uma vez que agora perdem muito tempo indo e voltando do trabalho; tempo valioso que poderiam gastar com suas famílias e suas atividades pessoais.

Como observamos o direito à cidade foi violado pela administração municipal de Beijing e pelos promotores imobiliários. Também notamos isso representado nos esforços dos cidadãos em permanecer em Qianmen e reivindicar seu direito a habitar o espaço urbano. Muitos habitantes não aceitaram as compensações financeiras que lhes foram oferecidas inicialmente e somente deixaram seu espaço após serem atormentados em suas casas e no seu trabalho. A senhora Sun e sua família conseguiram resistir às tentativas de remover seu restaurante de Qianmen e embora sua casa tenha sido fisicamente ocultada à vista de outros por um plástico verde, a casa continua em pé e presente no meio da agora moderna Qianmen. Isso demonstra que os cidadãos têm a capacidade de se levantar por aquilo que desejam, reivindicar para que seus direitos sejam reconhecidos e que não podem ser desconsiderados para dar prioridade a megaeventos internacionais como as Olimpíadas. Se uma cidade, tal como Beijing, deseja impressionar o mundo deve valorizar o local, ser inclusiva e tratar todos os seus habitantes, especialmente os pobres, como cidadãos com direitos, ao invés de unicamente como objetos que podem ser maltratados, excluídos e esquecidos.

Palavras-chave

despejo, conflito urbano, exclusão urbana, transformação urbana, mobilização de moradores, direito à moradia, cidadezinha, gestão urbana


, China

dossiê

Direito a Cidade

Notas

Essa ficha existe também em inglês y espanhol

Fonte

Referências

Chen, Beatrice B., 2003, Preserving Beijing’s Old City: The Vision and Reality of Historic Conservation Planning, Department of Urban Studies and Planning, Massachusetts Institute of Technology. Website: dspace.mit.edu/bitstream/handle/1721.1/30027/55082878.pdf?sequence=1.

COHRE, 2008, One World, Whose Dream? Housing Rights Violations and the Beijing Olympic Games, Centre on Housing Rights and Evictions. Pages: 1-35.

Harvey, David. 2003, The Right to the City, International Journal of Urban and Regional Research 27.4: 939-41.

Hooker, Jay. 2008, Before Guests Arrive, Beijing Hides Some Messes, New York Times. Website: www.nytimes.com/2008/07/29/sports/olympics/29beijing.html.

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